Translate

06/09/2014

Música V

Aqui está a crónica duma das mais icónicas cerimónias de música de sempre:   

MTV VIDEO MUSIC AWARDS 2014
Tanto barulho para nada
Por: Henrique Real

       No passado dia 24 de Agosto, por volta da uma da manhã em ponto (hora portuguesa), realizou-se o espetáculo anual do canal MTV, os Video Music Awards (VMA), que teve lugar no The Forum em Inglewood, Califórnia. Sendo a trigésima primeira gala, este evento tem como objetivo principal premiar os videoclips mediante várias categorias. Outras das razões de que esta vasta série de eventos é conhecida é pela exibição fashion feita pelas estrelas presentes e nomeadamente pelas atuações antes e durante o show. Estas últimas, devido ao seu esplendor e magnitude, costumam ter a função de promover singles, conseguindo assim um impacto comercial mais significativo do que noutras actuações em programas televisivos (por exemplo). É pelos três motivos referidos anteriormente que estes espetáculos são lembrados pelo seu público que é constituído maioritariamente por jovens que ambicionam, não só ver as suas estrelas e os seus vestidos ao vivo como também para ver as suas performaces vistosas. Este ano, celebridades como Ariana Grande, Nicki Minaj, Taylor Swift, Iggy Azalea ou Beyoncé foram a imagem de marca, tendo a maior parte das nomeações e atuações. No campo dos videoclips, este ano, houve muita variedade devido também à ascensão de novas popstars.   
      Como é habitual, a abertura deste evento (como muitos outros do género) foi feita com o apreciado ritual red carpet onde as estrelas exibiram os vestidos extravagantes e provocantes criando assim um momento fashion que o público tanto apreciou e criticou positiva e negativamente. A acompanhar isso vieram as habituais entrevistas às estrelas que iam atuar ou que estavam nomeadas para o astronauta prateado. Entretanto também houve a revelação dos vencedores da categoria para Best Lyric Video (melhor videoclip com a letra) que foi para "Don't Stop" dos 5 Seconds Of Summer. Entre as cinco nomeações estavam os incontornáveis "Birthday" de Katy Perry e "Problem" de Ariana Grande. No chamado pre-show, foram o grupo feminino Fifth Harmony e Charli XCX que actuaram (separadamente), tendo cantado as músicas "Bo$$" e "Boom Clap" respetivamente. Normalmente esta parte do evento costuma ser conhecida por lançar os artistas recém-conhecidos para a fama a longo prazo. Neste caso, as artistas deste ano poderão vir ganhar protagonismo no ano seguinte, no entanto esta atuação foi pouco "chamativa".
     O espetáculo foi aberto com a medley de "Break Free", "Anaconda" e "Bang Bang" que contou com a performance de Ariana Grande, Nicki Minaj e Jessie J em conjunto. Referente à primeira parte desta medley, tivemos um ambiente sci-fi (como no videoclip), uma coreografia simples e um fraco desempenho de Ariana que não igualou ao vivo as notas vocais da versão de estúdio e mostrou também que não conseguiu controlar a sua potente voz, acabando por desafinar. Depois tivemos Nicki Minaj que nos apresentou o seu mais recente single "Anaconda" num ambiente selvagem, com uma coreografia provocante muito semelhante à do seu videoclip. A única falha desta parte foi o facto de certas palavras da letra estarem censuradas e como solução não foram referidas pela cantora, o que criou lacunas na música, quebrando assim a dinâmica. Finalizamos assim esta medley com Jessie J que iniciou "Bang Bang" com uma boa exibição vocal. Entretanto, Ariana juntou-se novamente ao palco para cantar a sua parte com melhor desempenho vocal do que na música anterior, e no fim Minaj regressou completando assim o trio. Esta última mal teve tempo para mudar de roupa porque esteve com as mãos ocupadas a segurar o vestido durante o seu desempenho. Em paralelo, a euforia do público foi tanta que mal se conseguiu ouvir a sua voz. Esta parte desta abertura foi mais simples e austera, não tendo bailarinos, nem coreografia, nem adereços de palco ou nem um guarda-roupa extravagante.
      Começou-se por saber a vencedora para Best Female Video (melhor videoclip de uma artista feminina) que foi apresentada por Snoop Dogg e Gwen Stefani. Entre os nomeados estavam Beyoncé com "Partition", Lorde com "Royals", Iggy Azalea com "Fancy" e Ariana Grande com "Problem", tendo vencido Katy Perry com "Dark Horse". De seguida tivemos no palco o comediante da SNL, Jay Pharoah que fez rir o público com piadas a ridicularizar Minaj e Ariana. A seguir a Jay, Lorde apresentou a atuação de "Shake it off" de Taylor Swift, o seu mais recente single. Definitivamente que foi uma das melhores performances desta cerimónia onde o glamour e a sensualidade não faltaram. Maioritariamente estiveram bailarinos de smoking com uma coreografia clássica, e a meio, as mulheres encarregues das vozes de apoio também se juntaram aos passos de dança. É de certo modo notável a originalidade empregue por Swift, pois perto do fim, quando ela estava no cimo daquela grande estrutura (com a forma de 1989) e se apercebeu de que tinha de saltar para os braços dos bailarinos lá em baixo, ela parou de cantar e a música ficou interrompida por momentos, deixando os espetadores muito admirados. Mas ainda ficámos mais admirados quando ouvimos os desabafos da cantora enquanto ela descia umas escadas internas por detrás da mesma estrutura para ir ter com os bailarinos. Quando ela finalmente chegou, o show continuou como se não se tivesse passado nada. Acabou com um plano épico e Taylor Swift simplesmente shake o público, não o deixando indiferente. A próxima categoria foi a de Best Male Video (melhor videoclip de um artista masculino) onde o vencedor foi Ed Sheeran com "Sing", concorrendo com "The Monster" de Eminem, "All Of Me" de John Legend, "Happy" de Pharrell Williams e "Stay With Me" de Sam Smith. Quando Ed acabou de sair com a estatueta na mão, Jay Pharoah regressou ao palco, interpretando Jay-Z, gozando com a sua figura como marido e pai. De seguida, subiram ao palco as estrelas da sequela de "Doidos à Solta", Jim Carrey e Jeff Daniels que anunciaram o vencedor para Best Pop Video (melhor videoclip pop). Avicii com "Wake Me Up", Iggy Azalea com "Fancy", Pharrell Williams com "Happy" e Jason Derulo com "Talk Dirty" perderam para Ariana Grande com "Problem". Depois tivemos a atuação intimista e comovente de "Stay With Me" de Sam Smith, que em nada foi espalhafatosa, procurando assim dar relevo à voz do cantor. No fim da atuação de Smith, Common subiu para o palco, para fazer um apelo à paz, concluindo com um momento de silêncio em honra de Mike Brown. No fim dessa pausa,  apresentou o vencedor para Best Hip-Hop Video (melhor videoclip hip-hop). Entre os cinco nomeados, estavam Kanye West com "Black Skinhead" e Eminem com "Berzerk", mas foi Drake que conseguiu o Moonwalker com "Hold On (We're Going Home)". Drake não estava presente, tendo Common aceitado o prémio por ele. Pouco depois, Jay voltou ao palco, parodiando Kanye West, fazendo rir mais uma vez o público com esta caricata imitação do rapper. Não demorou muito para vermos Usher actuar com Nicki Minaj (sendo a última vez que ela subiu ao palco naquela noite), o seu mais recente single "She Came To Give It To You". Esta atuação foi simples, sendo suportada somente por alguns bailarinos e por uma coreografia muito expressiva e muito minuciosa. No fim desta performance, foi-nos revelado o vencedor da categoria de Best Rock Video (melhor videoclip rock). "Fever" dos Black Keys, "Until It's Gone" dos Linkin Park, "Demons" dos Imagine Dragons e "Do I Wanna Know?" dos Arctic Monkeys perderam para "Royals" de Lorde. Chegou a vez dos 5 Seconds of Summer subirem ao palco e cantarem o seu novo single "Amnesia" de uma forma muito austera e tradicional, sem qualquer aparato. Pela última vez, Jay Pharoah foi ao palco para revelar o vencedor para Artist to Watch (artista para assistir). O prémio foi para Fifth Harmony com "Miss Movin' On", derrotando assim 5 Seconds to Summer com "She Looks So Perfect", Charli XCX com "Boom Clap", Sam Smith com "Stay With Me" e Schoolboy Q com "Man Of The Year". Após a girls group ter recebido o VMA, é feita uma homenagem ao ator Robin Williams, recentemente falecido. De seguida, Jennifer Lopez apresentou a atuação de Iggy Azalea e Rita Ora para promover "Black Widow". Esta parte também foi um ponto alto da noite, embora não tenha sido perfeito. Foi uma atuação suportada por um ambiente e um guarda roupa aracnídeo, por uma coreografia simples mas graciosa, e sobretudo, foi tocada uma versão diferente (mais influenciada pela Pop-Rock) o que foi uma agradável surpresa. É de felicitar Iggy pela sua opção inteligente utilizada para contornar o problema das palavras censuradas, não se limitando a "lacunar" a canção como fez Minaj em "Anaconda", mas sim arranjou palavras alternativas para substituir as originais. A parte negativa foi quando percebemos que Rita Ora não conseguiu reproduzir ao vivo as notas vocais da versão de estúdio (exatamente o mesmo problema que reparamos em Ariana Grande na mesma noite). Sucedeu-se o concerto dos Maroon 5 que se realizou no exterior do edifício, estando a banda numa "ilha" rodeada de fãs. Com uma atuação simples e tradicional, a banda promoveu "Maps", o seu novo êxito. 
    Depois Jimmy Fallon, revelou o vencedor do prémio mais importante da noite: Best Video of the Year (melhor videoclip do ano) após ter proporcionado um momento cómico, interagindo assim com a plateia. Iggy Azelea com "Fancy", Sia com "Chandelier", Pharrell Williams com "Happy" e Beyoncé com "Drunk In Love" estiveram habilitados a ganhar o VMA, mas foi Miley Cyrus com "Wrecking Ball" que levou o astronauta prateado mais apetecido da noite, no entanto, estando ela presente na cerimónia, não o foi receber. Quem o fez foi um jovem sem-abrigo chamado Jesse, acolhido pela cantora para sensibilizar o público para a causa que o mesmo representa. Com um discurso bastante objetivo e sensacionalista, os espetadores ficaram boquiabertos. A atitude de Cyrus foi defenitivamente inesperada. Logo a seguir à saída de Jesse, os Maroon 5 regressaram para tocarem um dos seus grandes êxitos: "One More Night", que tem uma performance semelhante à anterior. Para finalizar as atuações da noite tivemos a mais longa delas todas: a de Beyoncé, que faz uma medley do seu último álbum (de nome próprio). Esta atuação devido à sua extensão teve meios suficientes para fazer um espetáculo vistoso, com muitos bailarinos, coreografias e cenários diferentes (se bem que os cenários eram austeros e minimalistas). No fim, todo o público cantou "XO" com a artista, finalizando a performance com um momento emocional e glorioso. A Queen B foi de facto a rainha da noite, tendo levado um prémio honorário (Michael Jackson Video Vanguard Award) que lhe foi entregue pelo marido e pela filha (Jay-Z e Blue Ivy Carter), encerrando assim esta cerimónia anual, aclamada e aplaudida pelos presentes.                  
      Em suma: tanto barulho para nada! Quando acabamos de ver os VMA deste ano ficamos com a sensação de que poderiam ter sido melhores, pois foi prometido algo muito deslumbrante, que não correspondeu à realidade (refiro-me às atuações, por exemplo), no entanto houve bons desempenhos como os de Taylor Swift, Iggy Azalea, Beyoncé e Nicki Minaj (esta última só com "Anaconda"). No fim de tudo isto, a sensação com que ficamos é que este evento não superou as expectativas comparando com os anos anteriores e depressa nos iremos esquecer desta noite que em nada foi especial.



HR

01/09/2014

Música IV

Esta semana vamos amar e relaxar ao som da edição de ouro de "Native": 

"NATIVE"
Os OneRepublic querem mais do que contar estrelas! 
Por: Henrique Real 

    Os OneRepublic eram uma banda que ainda não tinham mostrado do que eram capazes, até à chegada deste novo disco! O álbum "Dreaming Out Loud" tinha chamado à atenção da sua existência como artistas emergentes, devido principalmente ao grande êxito "Apologize" (depois de Timbaland dar um "jeitinho na coisa" é que este single ganhou reconhecimento) e o seu sucessor "Stop And Stare", depois, veio "Waking Up" que não teve o mesmo desempenho comercial que o anterior, ficando assim à quem das expetativas. No entanto, a qualidade artística dos mesmos não depende do quanto faturaram. A prova está em Ryan Tedder que até agora não era famoso por si (ou seja pelo seu próprio protagonismo), mas esteve por detrás das letras e da produção de várias grandes estrelas, contribuindo assim para o êxito das suas carreiras (entre uma enorme lista encontram-se Adele, Ariana Grande, Beyoncé, Birdy, Maroon 5, Demi Lovato, Ellie Goulding, B.o.B, Kelly Clarkson, Carrie Underwood, Jennifer Lopez, Jordin Sparks, Leona Lewis, Gavin DeGraw, Sebastian Ingrosso, Gym Class Heroes, One Direction, James Blunt, Paul Oakenfold, Ella Henderson, etc.). Mas o facto dos OneRepublic não terem sido comercialmente bem sucedidos não lhes dará a notoriedade e a procura que necessitam, logo, o que eles precisam é de um álbum que ponha as suas figuras conhecidas pelo bom trabalho que desempenham. Dessa vontade nasceu "Native".   
      A canção de abertura de "Native" é o terceiro single oficial que chegou ao nº2 no hot100 (que é estranho não ter chegado ao número um, uma vez que permaneceu mais de três meses no top dez) "Counting Stars", que foi escrita e produzida por Tedder, com colaboração na parte da produção de Zancanella. Esta música Pop-rock, com influências folk e neosoul, conta-nos a história (pouco usual na cultura pop atual, tornando-a assim original) de um rapaz que quer viver a vida ao rubro, mas a sua parceira tem como preocupação principal o dinheiro que obtém. O sujeito lírico apela-a para o deixar e passar a dar mais valor às maravilhas da vida e à sua relação ("Said, no more counting dollars/We'll be counting stars"). Instrumentalmente, esta faixa é relaxante e ao mesmo tempo agradável, e juntamente com a voz de Ryan Tedder (que é suave e melódica no corpo da canção, e forte e sensacionalista no refrão) fazem deste single uma imagem de marca do álbum (não poderia haver melhor abertura!). De seguida vem o primeiro single oficial do relançamento do álbum (quinto single no geral) "Love Runs Out", que também foi produzida por Tedder e escrita por todo o grupo. Esta música Pop-rock fala-nos de um rapaz de faz tudo para manter a sua relação com a sua amante, insistindo até ao fim da sua paixão. Nesta lírica, a ambição amorosa do sujeito poético é comparada com a tradicional ambição pela riqueza e pela fé que domina a maior parte das pessoas. Aqui a voz de Tedder está trabalhada de forma mais rústica e fria, embora no refrão atue em força, propagando-se no espaço. Agregado a isto vem também uma sonoridade sombria. No geral, esta canção é criativa em todas as suas estruturas, sendo um ponto forte da Gold EditionDepois temos "If I Lose Myself", o segundo single oficial de "Native", escrita por Tedder, Kutzle, Filkins e Blanco, e produzida por Blanco, Tedder e Kutzle, esta é uma faixa soft rock que é fortemente influenciada por uma sonoridade eletropop/house, e que juntamente com a "doce" voz que o vocalista nos proporciona leva-nos a um clima romântico (também ele dentro de uma onda no stress que de certa forma é o que caracteriza este disco). A reforçar essa ideia típica de dia de S. Valentim, a letra desta faixa transmite isso mesmo: o amor do sujeito poético pela sua cara metade. O primeiro single oficial deste disco, "Feel Again", é fortemente influenciado pelo estilo gospel, o que dá um ambiente vocal rico e uma sonoridade otimista, feito mais uma vez para os apaixonados que estão adormecidos e que quando se reencontram reacendem a sua "chama". Escrita e produzida por Tedder, Kutzle, Zancanella e Brown, esta é uma faixa soft rock romântica, semelhante à anterior. "What You Wanted" foi um single promocional escrito e produzido por Kutzle e Tedder e fala de um rapaz que diz fazer tudo pela sua cara metade, pois diz sentir o amor verdadeiro pela mesma. De certa forma, esta faixa Pop-Rock é muito semelhante à anterior, partilhando assim muitas das suas características, no entanto, em termos qualitativos acaba por ser mais fraca. Segue-se o possível novo single de "Native", escrito e produzido por Zancanella e Tedder, "I Lived", é uma faixa fortemente influenciada pelo género Country, que contém uma sonoridade bem-disposta e otimista, elevando assim a auto-estima do ouvinte. Aqui a lírica conta o conforto e a confiança que é dada através da experiência de vida do sujeito poético para com uma outra pessoa que o mesmo tem carinho, aconselhando-a assim em várias situações do quotidiano. "Light It Up" já é mais ao estilo de "Love Runs Out", sendo uma faixa pop-rock rústica, utilizando a voz de Tedder modificada artificialmente e tendo um corpo instrumental semelhante à segunda, no entanto, esta não alcança o potencial e a qualidade de "Love Runs Out". Escrita e produzida pela mesma dupla de "What You Wanted", a lírica desta canção é novamente de teor romântico falando da paixão que o "eu" poético não consegue conter pela pessoa que ama. Escrita por Tedder, Jeff Bhasker e Tyler Sam Johnson, e produzida por Bhasker, Johnson, Tedder e Emile Haynie, "Can't Stop" é uma balada soft rock que fala sobre os remorsos de uma relação falhada do "eu" poético, que mesmo depois de ter chegado ao fim ainda o ressente e angústia, pois ainda está "dependente" da mesma. Com uma sonoridade sensacionalista, mas ao mesmo tempo melancólica, esta é uma música que não deixa a opinião do ouvinte ser indiferente, pois sensibiliza-o (ou relaxa-o), conquistando-o assim através da harmonia entre a voz e o instrumental, fazendo assim uma combinação muito próxima da perfeição. "Au Revoir" foi escrita e produzida por Kutzle, em parceria com Tedder na parte da escrita, e é uma das faixas pop-rock mais tristes do álbum, retratando assim a vontade do sujeito poético em salvar a sua relação amorosa. "Burning Bridges" foi escrita pela mesma dupla da faixa anterior e produzida por Zdar & Boombass (the Cassius duo), Tedder, Kutzle e Zancanella, e é uma música bem mais optimista que a anterior. Ainda dentro do estilo predominante de "Native", este registo é muito leve e agradável, tendo uma melodia relaxante, levemente "contagiado" pelo estilo synthpop, que é acompanhada pelo bom desempenho vocal, estando mais uma vez tudo em equilíbrio. Aqui o sujeito poético faz um ultimato à sua amante que a obriga a agir e continuar a relação ou a acabar tudo, pois o mesmo está desiludido com o empenho da parceira. De seguida temos o quarto single oficial deste disco, "Something I Need" não retrata nada de novo dentro da lírica pop (a música fala do amor que o sujeito poético tem pela sua companheira), no entanto, como grande parte das faixas anteriores, está é uma canção pop/gospel que contém uma sonoridade apelativa e afável que conquista qualquer ouvido sensível, e mais uma vez, faz um bom uso da relação voz/melodia (com um elogio especial para o refrão que tem umas vozes de apoio bem conseguidas). Escrita e produzida por Tedder e Blanco, este single peca por ter uma letra convencional. Mais uma vez escrita e produzida pela dupla de "What You Wanted", "Preacher" é uma faixa synthpop com leves influências country e gospel que relata as memórias que o sujeito poético tem pelo seu avô que era pregador, mostrando-lhe assim um carinho especial. O que faz esta música ser melhor que a anterior é que tem uma letra mais interessante, no entanto os mesmos princípios artísticos relacionados à voz e à melodia mantém-se (e o refrão é exatamente trabalhado da mesma maneira). Tendo na escrita e na produção os mesmos créditos de "Au Revoir", "Don't Look Down" é uma música sobretudo orquestral e sinfónica, de pouca duração, cuja letra não passa de uma estrofe em que a mensagem é exatamente a mesma que é percetível no título. Na edição original de "Native", esta faixa era a conclusão do mesmo, isso talvez possa explicar o facto deste registo ser assim! Escrita e produzida pelo duo francês the Cassius (em parceria com Tedder na parte da escrita), "Something's Gotta Give" faz parte da edição relançada do álbum. Esta faixa pop-rock é fortemente influenciada pelo estilo synthpop, dando-lhe assim um ambiente de mágoa e aflição. O assunto desta canção é sobre o que se pode dar de mais importante numa relação, excluindo assim os bens materiais (como o dinheiro). Por fim, eis a última faixa inteiramente nova desta edição relançada, "Life In Color", foi mais uma vez escrita por Tedder e Kutzle e produzida pela mesma dupla com Sprinkle. Este registo é o mais vivo e ativo (ou até festivo!) deste disco, aproximando-se mais do estilo teen-pop. Aqui, sobressai a felicidade que a vida proporciona ao sujeito poético.
      Em suma: este é um álbum uniforme, sem relevo nem contraste entre as músicas apresentadas, tendo assim um estilo característico que a longo prazo será associado à imagem geral do mesmo. Isso, tem aspetos positivos (o facto de ter os objetivos bem defendidos e explorados, e de certa forma possuir uma imagem característica como foi dito anteriormente), e aspetos negativos (o facto da maior parte das faixas serem muito iguais, ganhando notoriedade as que realmente são muito boas, sendo o 'resto' só para "encher", o que não desenvolve variedade nenhuma mas sim saturação e repetição). O que vai compensando esta uniformização artística é o facto da sonoridade em geral ser calma e bem-disposta, coisa que já tínhamos percebido através da boa relação voz/melodia, e isso é algo que poucos artistas alcançam! - a harmonia de todos os meios em questão a fim de criar uma estrutura musical sólida. Também podemos realçar outro aspecto interessante: a lírica em geral, é simples, acessível e puramente romântica! O que de certa forma também é um aspeto pouco usual hoje em dia! No fundo, o grande problema deste álbum é a igualdade da sua fórmula na maior parte das faixas (em todos os seus constituintes). Com esta perspetiva, facilmente destinguimos as headlines do "resto": "Counting Stars"; "Love Runs Out"; "If I Lose Myself"; "I Lived"; "Can't Stop";  "Burning Bridges"; "Preacher" e "Life In Color". Neste contexto, é perceptível que este registo discográfico se adequa a momentos de paz, conforto e descanso como também se adapta a uma boa prenda no dia de S. Valentim. Indiscutivelmente que a segunda edição (Gold Edition) é melhor que a original standard ou que a original deluxe, pois contem três canções novas (analisadas acima), mais três versões acústicas de  "Burning Bridges", "What You Wanted" e "If I Lose Myself", e uma remix da autoria de Alesso desta ultima (tudo num único disco!). No fundo, é com "Native" que OneRepublic chegaram mais alto do que nunca nas suas carreiras (o disco atingiu o nº 4 no Billboard200 e desde 22 de Março do ano passado até hoje que ele ainda fatura!) e mostraram quererem mais que contar estrelas, mas sim fazer parte delas! No entanto espero que o próximo trabalho do grupo seja mais dinâmico e variado!


Os OneRepublic vêm a Portugal no dia 21 de Novembro ao MeoArena.

HR

27/08/2014

Música III

Para esta semana aqui está uma breve crítica ao novo álbum de Ariana Grande:

Imparavelmente Grande
Finalmente chegou o tanto esperado segundo registo discográfico de Ariana Grande que mostra que ela veio para ficar.
Por: Henrique Real

Depois do estrondo do single de estreia “The Way” no ano passado, a cantora norte-americana Ariana Grande tem sido uma grande revelação no mundo do R&B e um fenómeno internacional. Devido à sua voz delicada e à sua imagem muito doll, ela depressa atingiu o topo da sua carreira, tendo sido bem-sucedida com o seu primeiro álbum (“Yours Truly”) que entrou para o top 20 em dez países, tendo alcançado o nº1 no seu país natal. Por muitos considerada como um legado direto de Mariah Carey, pelas semelhanças artísticas que a primeira tem com a segunda (isso é bem visível quando Ariana produz aqueles ‘gritinhos’ que tão característicos são de Carey), Ariana é a cara jovem do R&B dos nossos dias. Com esta fama fresca, ela não hesitou em trabalhar num novo álbum que impusesse definitivamente a sua presença.
Foi neste contexto que nasceu “My Everything”, que saiu no passado dia 22 deste mês. Este álbum R&B que vive sobretudo de colaborações com artistas ‘do momento’. Temos contribuições de Iggy Azalea; Big Sean; Zedd; Cashmere Cat; Childish Gambino; The Weeknd; ASAP Ferg; Nicki Minaj; Ryan Tedder; Jessie J; David Guetta; Benny Blanco; Nile Rodgers e Harry Styles, que fazem deste disco um trabalho rico em sonoridades e temáticas diferentes, – com um estilo R&B predominante, notamos também a presença de influências da EDM e do Hip-Hop – mas também contribuem para que o mesmo fique muito agarrado à sombra da fama e do talento de outros artistas, não sobressaindo assim o da cantora principal como característica central. Não só está cheio de letras sentimentais e românticas como também temos líricas atrevidas, fazendo assim de Ariana Grande uma artista versátil. As headlines do álbum são “Problem” (que contém um ritmo contagiante e a participação de Iggy); “One Last Time” (uma faixa agradável e sensacionalista); “Break Free” (que é a faixa mais EDM do disco devido à presença de Zedd); “Best Mistake” (uma balada R&B/Hip-Hop austera e pesada); “Love Me Harder” (um dueto bem ao ritmo teen-pop); “Just a Little Bit of Your Heart” (a balada mais melancólica do álbum); “Hands On Me” (uma das canções mais atrevidas e sensuais da cantora) e ”Bang Bang” (a muito esperada colaboração com Jessie J e Nicki Minaj que conta com influências soul e ritmos pró-ativos). Embora não tão ambiciosas como as mencionadas anteriormente mas também elas boas são “Only 1” e “You Don’t Know Me” que juntamente com “Bang Bang” são exclusivas da edição deluxe.
      Em suma: embora Ariana Grande tenha grandes influências de Carey e grandes ajudas de outros artistas neste novo registo, temos também de ver que a doçura e potência da sua voz são algo raras e únicas, dando-lhe a oportunidade de alcançar altas notas e projetá-las no espaço, e isso é a prova que ela tem capacidade para fazer algo mais original a solo sem tantos apoios ou sombras de outros músicos (este aspeto é o que a difere de outros artistas, como Pitbull, que são ‘parasitas’ do sucesso dos outros, não conseguindo fazer algo a solo) ao contrário deste álbum – basta tentar!


HR

16/08/2014

Música II

Esta semana trago-vos uma reflexão sobre o preço do sucesso a longo prazo:

"ARTPOP"
Fazer a diferença à força ou criatividade incompreendida
Por Henrique Real


      Depois da grande extravagância que foi "Born This Way" e a sua promoção, os fãs de Lady Gaga estavam famintos pelo próximo trabalho da artista. Com quatro singles no top dez, tendo o primeiro chegado ao número um do Hot100, a artista norte-americana sente-se na obrigação de continuar a alimentar este "monstro" que é a fama e o impacto social que cria. Finalmente sai o single principal do seu novo disco: "Applause" que entra diretamente no top dez (que por coincidência concorre com o regresso de Katy Perry através de "Roar", que como sabemos, dificulta as coisas para Gaga, pois Perry já a tinha superado antes a larga escala com o disco "Teenage Dream"), permanecendo lá durante várias semanas (não consecutivas), mas não foi um tiro certeiro. A música até pode ser pro-ativa mas não era do mesmo esplendor que "Bad Romance" ou "Born This Way", que tinham videoclips excessivamente espalhafatosos com uma história para contar. O vídeo de "Applause", para além de não ser tão vistoso como os anteriores da cantora, também não tinha conteúdo, ou seja, o espetáculo que tinha valia só por si (o que se formos a ver até vai de encontro com a letra da canção). Entretanto sai o segundo single oficial, "Do What U Want", que mais uma vez fica prejudicado pelo seu videoclip, que nem chegou a sair! Para cobrir essa grave lacuna, Gaga gravou uma versão do single que substituía R. Kelly por Christina Aguilera, o que foi um grande erro! E como três é um número perfeito, chega-nos a terceira razão para o falhanço de Gaga: a escolha do terceiro single! "Dope" foi um single promocional bastante bem sucedido, daí a expetativa de vir a ter algum protagonismo, mas optou-se por lançar "G.U.Y." que embora sendo uma excelente música, o público já não teve o mesmo entusiasmo que deu aos singles anteriores, logo não teve a atenção merecida! Tudo isto agregado a um álbum um tanto ou quanto experimental (como iremos ver) contribuiu para que "Artpop" seja o seu primeiro falhanço comercial na carreira de uma artista que, em poucos anos, esperava-se que superasse Madonna (por exemplo!). No fundo, quanto mais era desejado um grande regresso, mais fracassado ele se tornou, não conseguindo saltar a fasquia. Comercialmente, "Artpop" não superou as expetativas, mas artisticamente será que foi um falhanço ou foi incompreendido?    
      "Aura" é a canção de abertura do álbum podendo-se considerar Dance-pop ou EDM experimental com alguns ritmos latinos obtidos pela viola que ouvimos logo da faixa. Foi escrita e produzida por ela, Zedd e pelos Infected Mushroom. A música fala de uma rapariga que utiliza a burca com uma conotação erótica, ou seja, esconde a sua beleza para cativar a curiosidade do parceiro em possui-la. Neste caso, Lady Gaga desconecta o sentido religioso da burca para lhe dar um contexto sexual e exótico, ilustrando assim o seguinte provérbio: o fruto proibido é sempre o mais  apetecido. A sua voz está trabalhada de quatro maneiras diferentes: a primeira é na introdução onde nos é apresentada num tom malicioso "não cantado"; a segunda, os seus vocais tornam-se mais agressivos apelando assim ao protesto e ao impacto lírico, repetindo o efeito nas partes seguintes a seguir ao refrão; no refrão notamos a pureza da sua voz, onde esta já se encontra melódica; e por fim, na espécie de solo antes da última aparição do refrão, a voz está sobrecarregada de filtros dando um efeito muito "robótico" e irreconhecível. Relativamente à parte instrumental notamos que se trata de uma "babunça" electrónica em conjunto com uma viola que despromove um ritmo único (destruindo os padrões estandardizados da pop). Basicamente, trata-se de uma música de certa forma experimental a partir do momento que "brinca" com os vários meios a que tem possibilidade de recorrer, a fim de criar (ou de tentar criar) algo de novo num mundo que se encontra sobrecarregado de muita variedade musical, e agregado a isso está uma letra bem concebida e original. Para os mais tradicionalistas, esta faixa vale de pouco, para os mais vanguardistas esta é a "semente" para um novo subgénero. Seguimos com "Venus", um single promocional do álbum, é escrita e produzida por Gaga em conjunto, na parte da escrita, por Paul "DJ White Shadow" Blair, Hugo Leclercq, Dino Zisis, Nick Monson e Sun Ra, e com parceria, na produção, de Madeon e Monson. Esta é uma faixa mais convencional dentro do género EDM, transmitindo a seguinte mensagem lírica: "Let’s blast off to a new dimension/In your bedroom", ou seja, a lírica, bastante normal no mundo da música pop, é basicamente o desejo exótico/erótico que uma rapariga tem pelo seu amante (invocando a deusa do amor e os elementos do universo). Liricamente podemos considerar de que esta canção é influenciada pelo êxito nº1 da Hot100 de Katy Perry, "E.T.", pois em ambas falam da paixão utilizando metáforas cósmicas. Aqui, a voz de Gaga está fortemente sintetizada e agressiva, de um modo geral, dando a ideia de superioridade, havendo um destaque especial para a terceira parte lírica onde essa "acidez" e violência é bastante evidente, e para o refrão em que a mesma utiliza quatro hooks, prendendo assim o espetador. Na parte instrumental, predomina a eletrotécnica e os sintetizadores, como já nos vai sendo habitual. Dum modo geral, não é nada de novo ver este tipo de componentes (voz agressiva, background eletrónico, lírica erótica) numa música da Gaga, logo, fica-nos a ideia de vazio, sem ficarmos surpresos de algum modo. "G.U.Y." o terceiro single oficial de "ARTPOP", à semelhança da anterior, também é uma faixa EDM convencional, contando com Gaga e Zedd na escrita e na produção, mas vemos agora uma Lady Gaga mais "doce", com uma voz pura que percorre vários tons e criando também o contraste entre as estrofes "melodicamente" cantadas e as "friamente" faladas, tendo assim um refrão bem ativo, e um clímax bem conseguido (da terceira parte em diante). Mais uma vez, a parte instrumental é do mesmo género da faixa anterior, sendo a sonoridade desta mais agradável, contagiante e dinâmica, típica do trabalho assinado por Zedd. Embora os temas líricos explorados aqui sejam os mesmos de "Venus", esta música é muito mais apelativa que a anterior, sendo uma das melhores do álbum a seguir a "Aura". Depois vem "Sexxx Dreams", outra  música EDM, com influencias R&B, que nos conta fatídica história de uma rapariga que está sozinha e que seduz a sua melhor amiga a trair o namorado, sabendo que o mesmo está fora este fim de semana, pois ultimamente tem tido sonhos eróticos com ela, mas paralelamente, a primeira não se sente confortável em fazer isto, ficando assim com a consciência pesada e dividida entre fazer uma boa atitude ou fazer o que o seu desejo quer (que é uma atitude moralmente incorreta). Notemos também que esta canção escrita por Blair, William Grigahcine (também conhecido por DJ Snake, responsável pelo êxito "Turn Down For What"), Martin Bresso e Gaga assume duas personalidades do "eu" poético: a personalidade moralmente sensata e a personalidade pecaminosa. Para reforçar esta ideia, é perceptível dois tons de voz diferentes, um mais "malicioso" e consistente, e outro mais "arrasado" e volupiosamente vago. Esta faixa é produzida por Gaga, Blair, Monson e Zisis e tem um corpo instrumental lento com uma batida austera que contrasta com um refrão de forte sonoridade. Resumidamente, não é uma canção ambiciosa. "Jewels'N'Drugs", produzida por Blair, Gaga, Monson e Zisis, é o resisto mais hip-hop deste disco, contando com a colaboração vocal de T.I., Twista e Too Short. Este tema, escrito por Gaga, Blair, Monson, Zisis, Twista, Too Short, Clifford Harris Jr., relata a história de uma rapariga que tem duas paixões: o dinheiro e o amor, e junta o útil ao agradável quando tem relacionamentos com rapazes (que ela chama de golpes ["hustle"]), com o objetivo de ser rica para cobrir os seus caprichos e de ter satisfação sexual. Quanto à parte instrumental não restam dúvidas de que é muito criativa e dinâmica: começa com uma espécie de wildtrack de um auditório, como que se o ouvinte tivesse a ver o início de um concerto de música clássica (por exemplo) até que esse ambiente é quebrado pela batida que acompanha os versos de T.I.. Essa batida é pesada e rica sonoricamente, com um ritmo que inspira presença (e de certa forma introduz a música e o artista). Depois, quando chegam os versos cantados por Gaga, esta fica mais grave, mas o ritmo é o mesmo. Quebrado com a entrada de Too Short, onde a sonoridade que o acompanha é mais frenética. Com a chegada do refrão (cantado por Gaga), o ambiente muda para algo mais intenso e lento que o que vimos anteriormente. Mas a parte mais "maluca" é a do rapper Twista, onde o ritmo é de tal maneira acelerado que mal conseguimos apanhar. À semelhança da sonoridade está também a componente vocal que é igualmente dinâmica: para além de haver três partes "rap" (a velocidades diferentes, dependendo do artista), as partes cantadas são também elas diferentes (na primeira estrofe interpretada por Gaga está sobre um filtro que lhe dá uma voz "distorcida", seguindo para algo mais puro, e no refrão, é aonde ela consegue as melhores notas, acabando por se afirmar). Sem dúvida que é uma das faixas mais poderosas do disco, engatando o ouvinte através da sua dinâmica rítmica e sonora, que no seu geral criam estruturas ou ambientes bastante diferentes, e juntamente a isto vem uma lírica bem sombria que intensifica a atividade da canção. "Manicure", escrita e produzida por Blair, Gaga, Monson e Zisis, é a faixa mais Pop-Rock deste registo. Aqui, o sujeito poético deseja ser curada, pelos homens, como também curá-los ("I'm gon' be manicured" ou "Can you feel it, can you feel it, can you feel it/I'm addicted to the love that you garner (man cured)/Can you feel it, can you feel it, can you feel it/Like a serial killer, man is a goner"), tendo um desejo intenso e produzindo-se para seduzir os mesmos. Diga-se de passagem que na parte correspondente à lírica, o que é mais criativo é o facto de a palavra "manicure" ter sido separa em três outras palavras "man", "i" e "cure" (em português: homem eu curo), iludindo o ouvinte sobre o tema da canção. Como já é habitual no trabalho anterior de Gaga (mais precisamente no álbum "Born This Way"), a sua voz está agressiva e ácida, tendo uma postura interventiva e arrojada. Acompanhando isso vem um instrumental grave e pesado, mesmo assim não é o suficiente para nos surpreender. O segundo single oficial de "ARTPOP", "Do What U Want", produzido por Gaga e Blair, é a faixa mais R&B deste disco, que conta com a colaboração vocal de R. Kelly. A letra escrita por Gaga, Blair, R. Kelly, Martin Bresso e DJ Snake, fala de uma rapariga que se sente de certa forma dominada (por livre vontade) pelo seu parceiro, querendo que as "festas" com ele continuem, permitindo somente que controle o seu corpo. Aqui, a voz de Gaga está bastante sofisticada e forte, fortemente influenciada por Tina Turner e Christina Aguilera, mostrado a qualidade da sua garganta sem auxílios artificiais, enquanto que a de Kelly está mais suave e leve, criando assim um grande contraste entre ambas. O refrão é o ponto alto de Gaga, dando dinâmica e poder à canção. Também a parte instrumental é muito influenciada pelos anos 80, contendo uma batida forte, grave e sintetizada, que juntamente misturada com os vocais dos intérpretes constituem uma estrutura firme. Sem dúvida alguma de que esta faixa é uma das mais cativantes deste novo trabalho de Gaga.
      Depois vem "Artpop", escrita e produzida por Blair, Gaga, Monson e Zisis, que é bastante influenciada pelo estilo techno. Com uma letra bastante original (e com várias interpretações possíveis!), o "eu" lírico tenta mostrar a sua relação com a sua inspiração artística, tratando-a como se fosse um amante com quem tem relacionamentos. No fundo, chegamos à conclusão que esta música é uma das mais profundas deste disco, sugerindo o envolvimento pessoal (e íntimo?!) de Gaga. O refrão é uma das partes mais curiosas ("We could/We could belong together/ARTPOP"), pois dá a entender de que o sujeito e a sua arte não parecem juntos, ou seja, estão separados na sua totalidade, mas no entanto, lá se vão cruzando. Noutra estrofe, o sujeito poético refere de que ama mais a música que o brilho (possível tradução para "bling"), o que pode significar que gosta mais da arte musical que faz do que da fama que essa traz, trabalhando pela arte e não tendo a fama como objetivo principal (neste caso, por muito artista que Gaga possa ser, é-nos difícil acreditar de que ela não gosta da fama, até porque não corresponde com a imagem que a mesma apresenta). Com uma sonoridade e voz profunda, calma e agradável (mas na terceira parte da canção é notável de que a voz da cantora está distorcida e nota-se a utilização propositada de auto-tune) neste tema Gaga dá espaço para algumas reflexões (pouco comuns) que tornam esta balada um dos trabalhos mais interessantes deste álbum. A faixa seguinte é "Swine", escrita e produzida pelo mesmo grupo da música anterior, que é fortemente influenciada pelos géneros synthpop e dubstep. Nesta música, o sujeito poético caracteriza o seu amante como um porco que só quer dela sexo. Aliado a esta letra, vem um instrumental bastante frenético feito à base de sintetizadores e uma voz "de bicho" que nos proporcionam um ambiente muito suíno. "Donatella" foi estrita e produzida pela mesma parceria de "G.U.Y." e contamos a história fútil de uma rapariga bela e rica que consegue tudo o que quer. Com um instrumental algo semelhante ao tema anterior (mas com um ritmo ligeiramente mais lento) e uma voz pouco trabalhada, esta é uma faixa EDM que nada tem de especial. "Fashion" já é uma canção EDM mais agradável e clamorosa. Produzida por Tuinfort, Gaga, David Getta, Will.i.am, e escrita por Gaga, Will.I.Am., Guetta e Tuinfort e Blair fala de uma rapariga rica e bem vestida que vive a vida ao rubro da moda. Podemos de certa forma comparar esta música ao nº1 no Hot100 "Vogue" de Madonna, alegando de que "Fashion" é o "Vogue" de Gaga (mas numa versão bastante mais fraca!). Aqui, a voz e a sonoridade estão mais doce, dando um resultado mais leve e clean"Mary Jane Holland" não passa de um retrato de um alterego da artista que mostra o outro lado do seu pensamento. A ideia é interessante, mas é deveras pouco desenvolvida. Esta faixa EDM escrita e produzida por Gaga e Leclercq, tem uma sonoridade agradável, no entanto não tem nada de novo. A voz de Gaga tem alguns arranjos mas o que predomina é as notas altas que a cantora mostra conseguir atingir (no entanto já podemos ver isso e até melhor em "Bad Romance" ou em "Edge Of Glory"). Nada de novo por aqui. Depois vem "Dope" que saiu como single promocional e atingiu o nº8 no Hot100. Esta faixa é a mais Adult comtemporary do disco tendo sido escrita por Gaga, Blair, Monson e Zisis, e produzida por ela e Rick Robin. A música fala de uma rapariga que está a atravessar um período crítico da sua vida, onde a dependência por drogas e uma vida boémia levaram-na à desgraça, perdendo assim aquele que amava. Agregado a esta letra de mensagem forte vem um instrumental bem austero e sombrio onde o som do piano sobressai ao som dúbio dum sintetizador. Gaga puxa pela voz até aos limites (destingindo-se as notas altas dos "berros"), sem ter auxílio de aplicações artificiais, estando assim pura, e juntamente com o som do piano criam o protagonismo sonoro da faixa. Comparada com "Hair" da própria e "Stay" de Rihanna, esta faixa acaba por ser mais pesada e sombria que as mencionadas, tendo em geral uma sonoridade simplificada e um ritmo lento, sobressaindo-se na playlist do álbum. De seguida vem "Gypsy" que tem um estilo mais europop/folk recuperando assim o ambiente característico da era do álbum "Born This Way", tendo em geral uma estrutura semelhante a esse tempo. A letra foi escrita por Gaga, RedOne, Leclercq e Blair, esta fala de uma rapariga que pretende assentar a sua relação amorosa, pois tem receio de ficar sozinha. Em resposta a esse problema, ela deixa a família e amigos partindo assim à aventura, vivendo a vida, como uma cigana. Produzida por ela e Madeon, esta faixa contem uma sonoridade fresca e agradável que tende como objetivo elevar a boa disposição e juntamente a isso vêm uns vocais igualmente poderosos que fazem desta canção algo divertido. Por fim, "ARTPOP" é encerrado com a faixa que foi o primeiro single oficial. Estreou diretamente para o nº4 do Hot100, "Applause" foi escrita por Gaga, Blair, Zisis, Monson, Bresso, Mercier, Arias, e DJ Snake, e produzida por Blair, Zisis, Monson e Gaga. A faixa EDM, à semelhança de "Aura" e "Artpop", pode ser interpretada como algo pessoal, remetendo à própria artista o significado da mensagem principal. Aqui o sujeito lírico diz que não quer saber de críticas positivas ou negativas mas sim dos aplausos, da glorificação do público. Será que Gaga pensa assim? Será que Gaga faz música só para "alimentar" os fãs e de certo modo a cultura popart? Não me parece que as coisas sejam assim tão lineares, no entanto a componente lírica desta canção dá espaço ao ouvinte para refletir de várias formas. Aqui a voz de Gaga está muito trabalhada usando vários "filtros" que tornam-na mais ácida, mas no refrão temos, mais uma vez à semelhança de muitos dos seus temas, uma pujança vocal de forma melódica e doce. Ainda referente à voz, nota-se também que neste campo ela foi fortemente influenciada por David Bowie e Annie Lennox. Quanto à parte instrumental é de elogiar a dinâmica dos sintetizadores que contribuem para que esta música ativa e cativante, variando assim o ritmo entre o corpo da letra e o refrão. De certo modo, o disco acaba com um aplauso.
      Quem conhece a discografia de Gaga percebe que ela sempre tentou sair dos padrões estandardizados da pop a todos os níveis, incluindo musicalmente, e com este novo álbum, o ouvinte tem a certeza disso. "Fame" foi um álbum muito adolescente e básico, com músicas jovens feitas para cativar uma geração (até porque desde muito cedo se chegou à conclusão de que a melhor forma de lançar um artista dentro do mundo pop é fazer canções juvenis onde o tema lírico são as festas, os romances de verão, a escola ou o prazer sexual, e se repararmos, artistas como Madonna, Kylie Minogue, Christina Aguilera, Britney Spears, Jlo ou Iggy Azalea começaram com êxitos bastante light). "Fame Monster" foi o EP que serviu para relançar "Fame", e aí, ela mostrou saber fazer mais que "Just Dance", mas sim algo novo e fresco que marque uma geração. Geração essa que está muito saturada de estrelas pop, videosclips de diferentes "formas e feitios", daí Gaga ter-se apercebido de que tinha de arriscar mais e fazer algo tão original como os vestidos que usa, percebeu de que tinha de fazer a diferença à força (isso sim é o que determina a longevidade de um artista, que por vezes tem de arriscar o que pode custar caro para se poder sobressair da "banalidade" [por exemplo: Madonna e o seu polémico álbum Erotica] e quem prefere fazer o que não provoca os seus fãs para ter uma imagem "limpa" perde a atenção caindo na regularidade [por exemplo: Jlo e as suas intermináveis colaborações com Pitbull]). Foi com este objetivo em mente (o de fazer a diferença à força) que "Born This Way" nasceu daquela maneira! Foi um álbum duro, agressivo, íntimo, polémico e sobre tudo ambicioso! Aí Gaga provou fazer a diferença, embora de forma controversa em alguns aspetos (por exemplo a polémica "Express Yourself"/"Born This Way"), daí o público esperar por um regresso em grande. Mas Gaga não conseguiu esse impacto (pelas razões que vimos anteriormente), daí este disco estar-lhe a custar caro, como custou a muitos artistas que ousam arriscar para se reinventar. Mas o facto de "Artpop" não ser um sucesso comercial não quer dizer que seja um fiasco artístico, o que não é! Este LP, nº1 na Billboard200, é um tanto ou quanto experimental, tendo o objetivo de ser uma alternativa aos padrões da pop, acabando por redefini-los ("Primeiro estranha-se depois entranha-se" - Fernando Pessoa). Organizado de uma forma inteligente, o álbum começa com "Aura" que diz artpop no final, a meio da playlist existe uma faixa chamada "Artpop" e o mesmo é encerrado com "Applause" que também tem a palavra artpop no final da lírica, ou seja, início, meio e fim, tudo estudado com antecedência e de forma matemática. Nesta "história", os "episódios" mais bem sucedidos são: "Aura"; "G.U.Y."; "Jewels N'Drugs"; "Do What U Want"; "Artpop"; "Dope"; "Gypsy" e "Applause". Para além destas existem outras que não foram ambiciosas o suficiente para estarem entre as headlines, tais como: "Venus"; "Sexxx Dreams" ou "Swine", mas que no entanto não são lixo. O álbum está disponível em duas edições: a standard (com quinze faixas) e a deluxe (com um dvd do concerto da cantora no iTunes Festival). Feito para tolerantes, revoltados, descriminados, grupos sociais em minoria e sobretudo vanguardistas, "Artpop" no seu conjunto geral é um álbum à frente do seu tempo. Em suma, este disco foi a aposta futurista de Gaga que só vai ter frutos a longo prazo, só vai ter o seu valor com o passar do tempo, custando-lhe caro agora, mas saindo reforçada num próximo trabalho, igualmente criativo e reconectado com o público.


                    HR

Lady Gaga voltará a Portugal no próximo dia 10 de Novembro no MeoArena.





    

11/08/2014

Cinema IV

Voltando ao cinema, aqui deixo a minha reflexão (na perspetiva da semiótica) dum dos filmes que tive oportunidade de ver recentemente:  

Coisa Sugestiva
Um signo ruim...
por Henrique Real

            
      O filme de 2006 "Coisa Ruim" realizado por Tiago Guedes e Frederico Serra mantém a atenção do espetador através de signos, levando-o a interessar-se pela película desde o início até ao fim, sendo este aspeto como um dos principais que a caracteriza. Entende-se por signo aquilo que é uma transmissão ou construção mental, por via da qual um organismo influencia o comportamento ou estado de outro organismo, numa situação de comunicação. Em "Coisa Ruim", existem vários signos que levam o espetador a ter um diferente olhar sobre a história e que estimulam a atividade da mesma. Neste caso, cabe ao espetador perceber as "pistas" que lhe são deixadas para que o próprio possa ver para além do que é evidente, caso contrário, se o público não vê para lá do objetivo, nunca achará o filme minimamente atrativo do ponto de vista artístico ou cinematográfico nem numa perspetiva de puro entretenimento, pois os signos são a matéria teórica que dá profundidade aquilo que aparentemente não tem importância.
      Um excelente exemplo de um signo no filme é a cena em que Xavier Oliveira Monteiro (interpretado por Adriano Luz) está a descansar no bosque com os seus dois amigos/colegas naturais daquela aldeia recatada e rural. Esse momento proporciona várias conversas de cariz bizarro e sobrenatural que se passaram naquela região. A última história que é contada é sobre como se descobrem as bruxas ("mulheres que envergam no caminho da maldade sabe-se lá porquê"), e é contada a seguinte "profecia": no final de cada missa, é costume o padre finalizar fechando o livro sagrado, mas quando por algum motivo ele se esquece de o fechar, as ditas bruxas que estavam a assistir à missa não se levantam dos bancos da assistência ao contrário dos outros fiéis. No momento em que este episódio é contado, a "imagem" visual do filme muda de um plano no bosque onde entram as personagens referidas anteriormente para um plano de uma missa onde inicialmente a câmara foca o padre descendo até à bíblia aberta, pousada na mesa. Depois é-nos dado um plano geral em que se vê a conclusão da missa. Nesse plano, o padre e todas as outras pessoas deixam os seus lugares e retiram-se ficando só a personagem Helena Oliveira Monteiro, mulher de Xavier (interpretada por Manuela Couto) que continua exatamente no mesmo sítio sem se mover. Em paralelo, a "imagem" sonora continua a mesma do plano anterior (ou seja, ouve-se a dita história a ser contada).
      Na realidade, esta cena não é nada de especial na sua mais pura evidência, pois notamos que nem mete impacto imediato no espetador nem é um climax do próprio filme, ou seja, passa despercebida pela maioria dos espetadores desatentos, que esperam algo mais chocante ou espetacular para despertar a sua atenção.    
      Se dissecarmos a "coisa" notamos que o facto da "imagem" visual mudar mas "imagem" sonora permanecer significa já por si algo: a história que está a ser contada está a ser ao mesmo tempo ilustrada com um acontecimento da própria premissa do filme que acontece em paralelo com o convívio do plano anterior. Logo aqui o público é chamado à atenção de que aquela "profecia" é importante para o desenvolvimento e compreensão do enredo e que não passa de uma simples e casual conversa entre as personagens. A "profecia" significa que pelo menos uma das personagens do filme é uma bruxa, mas qual? A resposta também está nessa mesma cena. A personagem Helena correspondeu ao perfil da "profecia": assistiu à missa e, quando esta acabou, não se retirou do seu lugar ao contrário das pessoas que a rodeavam, pois a bíblia ficou aberta. Esta atitude sugere-nos  que ela é uma bruxa, mas, por enquanto, só o espetador é que sabe, nenhuma das outras personagens (nem mesmo a própria Helena) desconfia de tal "coisa ruim". Aqui, o signo corresponde à "influência"/relação que a bíblia aberta tem na personagem Helena, pois se o livro tivesse sido fechado, ela ter-se-ia levantado do seu lugar, mas como não é o caso, a mesma não se moveu. Estabelece-se aqui uma relação de dependência, ou seja, esta personagem age conforme o estado de algumas "coisas" que a rodeiam, neste caso, ela age conforme o estado da bíblia naquela circunstância e é este signo que sugere ao público da plateia de que ela é uma bruxa. 
      Isto só prova que o filme se desenvolve através de "pistas" bastante sugestivas e subtis que passam despercebidas ao espetador desatento e fazem as delícias do público interessado na profundidade de uma premissa aparentemente vulgar e objetiva. Uma vez adotado este método, o filme exige mais do espetador para uma melhor compreensão do mesmo, fazendo-o pensar e refletir sobre os conceitos ali presentes mostrando assim o quanto este filme é vasto e metafórico, superior ao que é básico e gratuito.



HR


          

06/08/2014

Música I

Aqui está o texto desta semana, desta vez sobre um dos artistas mais bem sucedidos do momento:


"GIRL"
Do backstage para as luzes da ribalta 
Por: Henrique Real

      Mesmo com a carreira dos The Neptunes/N.E.R.D. ainda ativa, Pharrell Williams em 2006 já tinha percebido que tinha talento, meios e possibilidades para conseguir escrever, produzir e cantar um álbum a solo. Embora com bastantes colaborações ao nível lírico e vocal, "In My Mind", foi a sua primeira grande investida numa carreira a solo deste artista norte-americano. Nesta situação, se antes já tinha conquistado notoriedade, depois desse disco ainda mais longe foi! Mas, ele conquistou de facto dois grandes papéis no mundo da música: o da produção e a escrita, ficando esquecido a parte vocal (tendo sido a mais precária), daí ele ter sido frequentemente recorrido por artistas como Madonna, Mariah Carey, Shakira, Gwen Stefani, para escrever e produzir as suas músicas, e de facto ele conseguiu-lhes refrescar a carreira. Com isso, a partir de 2006, ele foi ficando responsável pelo sucesso de muitos artistas pop atuando por detrás do espetáculo. Isso iria ser quebrado depois de ter participado na construção de dois grandes êxitos internacionais: "Blurred Lines" e "Get Lucky", que elevaram à fama Robin Thicke e renovaram a imagem dos Daft Punk. Depois destas duas grandes investidas, Pharrell percebeu que era agora a altura de voltar a apostar numa carreira a solo. E essa ideia ficou bem clara e definida depois de ver o sucesso que "Happy", música do filme "Gru - O Maldisposto 2" teve. Mas, Pharrell não quis regressar ao palco sem reinventar a sua imagem e a sua música. Aquela figura da "street" de "In My Mind" foi trocada para algo mais leve, charmoso e agradável, tendo como imagem de referência aquele chapéu da cavalaria canadiana, que lhe deu uma aparência mais original e de certa forma cómica. Musicalmente trocou o hip hop pelo Disco/funk, que de certa forma é uma manobra comercial, pois os singles "Blurred Lines" e "Get lucky" estavam orientados nessa medida. Dum modo geral, é neste contexto que nasce "Girl", um álbum inteiramente produzido por Williams que tem como objetivo reforçar a sua imagem a solo e mostrar o seu talento a vários níveis.
      A faixa de abertura é "Marilyn Monroe", que já é o segundo single oficial do álbum, foi escrita por Pharrell e Ann Marie Calhoun (sendo a única música do álbum que não é inteiramente escrita por ele). Esta é uma música do género funk/disco que nos conta a história de um rapaz que está apaixonado/seduzido por uma rapariga e que por muito que ele tente disfarçar o desejo de estar com ela, acaba por não o conseguir. Personalidades como Marilyn Monroe, Cleópatra e Joana D'Arc são invocadas como motivo de comparação com a rapariga com que o "eu" lírico está apaixonado, dizendo que a prefere em vez das mulheres mencionadas anteriormente. Basicamente, ele tenta ter controlo perante aquilo que sente para não fazer uma figura ridícula à custa disso, ao ponto de ser mal interpretado ou de não obter a credibilidade desejada, mas como todos os bons românticos, acaba por mostrar o que sente sobre essa rapariga que ele considera ser especial e diferente. A acompanhar o forte potencial desta letra temos um background musical bem trabalhado, com uma subtil mistura entre os ritmos disco e funk, cruzando com influências orquestrais clássicas, e temos uns vocais ligeiros e agradáveis (muito característicos do género disco). Tudo nesta primeira faixa está em perfeita harmonia: a letra, com a voz, com a sonoridade instrumental, fazendo assim desta obra uma canção agradável e inteligente, com uma certa classe e subtileza que não é muito usual nos dias de hoje. Uma das melhores deste LP. Como segunda faixa temos "Brand New", uma música mais uma vez orientada para a groove funk/disco contando com a colaboração vocal do incontornável Justin Timberlake, que retrata a ternura do profundo agradecimento que um rapaz tem pelo o que o seu amor lhe proporciona: vitalidade (fazendo-o "brand new"), mostrando o vazio quando existente antes da sua chegada e a jovialidade perante os bons momentos provenientes da sua companhia. Os vocais e a parte instrumental são bastante semelhantes aos da faixa anterior, proporcionando assim mais uma música agradável e relaxante. Depois vem "Hunter", uma música mais atrevida que transmite o desejo incessante do "eu" poético em passar a noite na companhia da sua namorada, mas esta por sua vez não está muito interessada nisso, dando espaço ao rapaz para desconfiar da fidelidade dela. Embora esta canção venha na orientação das outras anteriores, acaba também por ser mais relacionada com o "engate" direto, daí o ritmo ser mais consistente e grave em vez de leve e romântico como são as outras. A dada altura, os vocais são falados, e a maneira como isso foi feito e a relação que os mesmos têm com a sonoridade (e até a própria sonoridade em si), fizeram-me lembrar, o nº1 no hot100 dos Blondie, "Rapture", quando a vocalista (Debbie Harry) deixa de cantar melódicamente a letra (estendendo a sua voz em cada palavra de forma lenta) e começa a "rappa-la". Este trabalho faz de certa forma um contraste com os temas anteriores, embora o género e os vocais sejam idênticos. De seguida temos "Gush", também ela disco/funk, uma das faixas mais "sujas" do álbum, e a mais atrevida que a anterior. A letra desta é bem simples: um rapaz está fortemente excitado por uma rapariga desejando ter relações com ela (nada mais que isto!). A sonoridade e voz são semelhantes à das músicas anteriores, mas a lírica assemelha-se mais à fase inicial de Pharrell, fazendo um grande contraste com as restantes de "GIRL", tornando-a também uma das faixas menos ambiciosas aqui incluídas. O primeiro single deste álbum, o também nº1 por dez semanas no hot100, o também nomeado para um Óscar da academia, "Happy" (a música principal do filme "Gru - O Maldisposto 2") já é considerado um clássico! Esta canção neosoul/funk, influenciada pelo trabalho de Curtis Mayfield, muito bem sucedida incentiva-nos a ser optimistas e a ter auto-estima alta, em vez de nos deixarmos abater pelos problemas do quotidiano. À que admirar a qualidade desta letra, que quando comparado com os grandes sucessos contemporâneos, vemos uma maturidade e uma inteligência sem igual, refutando temas ou histórias fúteis (como por exemplo a da faixa anterior a esta!), utilizando comparações e metáforas bem conseguidas (como por exemplo: "(...) if you feel like a room without a roof" ou "Bring me down, my level's too high") que enriquecem a mensagem da musica: "if you feel like that’s what you wanna do"!. Na parte instrumental, é bastante percetível os ritmos relaxantes que descontraem e elevam a alma, bem característicos do soul, com uma menção especial para o coro que de certa forma dá corpo ao refrão. Aqui temos uma obra bastante original, que prova o quanto Pharrell Williams é um grande artista nos mais variados campos da música (produção, voz, escrita, etc.). O terceiro single de "GIRL", "Come Get It Bae", é que fica um bocado "ao lado" comparado com os outros que saíram anteriormente. Mais uma vez a letra (sem criatividade nem originalidade) relata os impulsos/desejos sexuais de um rapaz por uma rapariga. Esta faixa é funk, com uma batida forte e um ritmo ativo trazido pelas palmas e pelo baixo. Em suma, nada de novo é trazido por esta faixa, servindo somente para encher. "Gust Of Wind", é outra canção forte deste álbum. Puramente disco (e fortemente influenciada pela colaboração especial dos Daft Punk não creditada) esta é uma faixa relaxante, com uma sonoridade rica, tendo a mesma química que "Get Lucky" ou "Lose Yourself To Dance". Esta é a faixa mais "clássica" dentro do género, com um leve toque progressista (principalmente no refrão). No mesmo, os vocais (dos Daft Punk) estão sintetizados, enquanto que no resto da música os vocais de Pharrell permanecem suaves e delicados como nas maiorias das músicas deste disco. Aqui, o "eu" poético mostra o impacto da presença da sua amada, através de metáforas e comparações. Com esta faixa, o ambiente romântico é recuperado. "Lost Queen" é definitivamente a faixa mais criativa deste álbum. Inicialmente tem uma sonoridade mais exótica, que nos transporta para um ambiente mais acústico, depois, relativamente a meio da música, quando pensamos que esta acaba, começamos a ouvir o som do mar, das ondas e da maré, passando depois para uma batida mais eletrónica (igualmente relaxante como a primeira), onde os vocais estão sob um filtro que torna a voz do artista mais espacial e vaga (ao contrário da primeira parte onde a sua voz está normal). A lírica retrata a "servidão" e o fascínio do "eu" pela sua amada mística. Aqui, Pharrell Williams prova ser um verdadeiro artista, pois numa música inclui duas separadas por uma sonoridade ambiente, como que retirada de um filme, aliás, toda esta faixa parece ser retirada de uma banda sonora, pois é notória a necessidade de uma componente visual (ficando a sensação de que nos falta alguma coisa!). De seguida vem "Know Who You Are", uma canção que conta com a colaboração vocal de Alicia Keys (que se faz sobressair - como é natural!), mostra assim uma sonoridade calma e relaxante com uns toques de R&B. Com uma letra bastante interessante, esta faixa retrata o carinho de um rapaz pela sua companheira que teve um dia difícil. Nesta medida ele tenta relaxá-la, fazendo-a aproveitar um momento de paz. E finalizamos "GIRL" com a música "It Girl", que retrata o impacto da sedução feita pela amante no "eu" poético, deixando-o encantado (ou descontrolado?!). Não saindo do género dominante deste álbum, esta faixa agradável e viva, tendo uma sonoridade summer times, está longe de sobressair na playlist do álbum em geral.
      Em suma: trata-se de um registo discográfico agradável e relaxante, viajando pelo funk/disco, sendo fortemente influenciado pelos antepassados do género. Embora muito revivalista, não deixa de ser original e criativo, utilizando assim as várias tecnologias e meios que atualmente são bem sucedidas (Daft Punk, por exemplo) com o objetivo de renovar um estilo que se encontra ultrapassado e esquecido. Para a carreira musical do artista, este trabalho marca um novo capítulo, do qual deverá ser explorado, mas nem tudo foi deixado para trás! Ainda podemos constatar neste álbum, à semelhança do primeiro, letras muito atrevidas e sujas, que no fundo, não passam de reminiscências da sua origem (hip hop), que de certa forma, contrastam muito no panorama geral. Neste trabalho está a prova viva do talento de Pharrell nos vários campos musicais: ele escreve e produz todas as faixas, ele canta e trabalha a voz das mais variadas formas, e articula tudo isto harmoniosa e equilibradamente, soando "doce" ao ouvido. Dentro deste prisma, as faixas que melhor ilustram este trabalho ambicioso são: "Marilyn Monroe"; "Brand New"; "Happy"; "Gust Of Wind" e "Lost Queen". Mas ainda não estamos confrontados com um disco "cinco estrelas", no entanto, para lá caminhamos. Sem uma grande playlist organizada de uma forma especial, este registo disco/funk (nº2 na Billboard200) só tem uma edição: a standard (com uma faixa bónus no Japão - "Smile") e pode-se considerar que está dirigido a um grupo social em especial: aos jovens heterossexuais, que se consideram bons amantes e "aventureiros" (daí a capa ser sugestiva). Embora "Girl" não seja um álbum perfeito, conseguiu, no entanto, cumprir o seu objetivo principal: enriquecer a carreira a solo de Pharrell Williams, transportando-o do backstage para as luzes da ribalta. 
               


Pharrell Williams virá a Portugal no dia 3 de Outubro no MeoArena.

HR
                       


27/07/2014

Cinema III

Para esta semana proponho-vos uma reflexão sobre o uso do cinema em prol da política autoritária do século passado:  

A Arte da Propaganda
A nova técnica de comunicação com as massas
por Henrique Real


      Quando Auguste e Louis Lumière inventaram o cinematógrafo e toda a linguagem que surgiu com esta tecnologia (o cinema), nunca imaginaram o poder que esta nova arte emergente teria na sociedade moderna. Como mais tarde se iria revelar, o cinema interagia diretamente com o espetador, fazendo-o chorar em cenas dramáticas, fazendo-o rir em cenas cómicas ou fazendo-o ansioso em cenas de suspense por exemplo, comunicando assim de forma interativa. A película influencia o estado de espírito do espetador proporcionando ao mesmo experiências ou sensações diferentes.
    Não demorou muito para que esta nova forma de arte não servisse várias outras necessidades aparentemente inesperadas ou incompatíveis, como por exemplo a propaganda política. Tanto os opressores como os inconformistas utilizaram o cinema para se expressarem e promoverem os seus ideais, tentando assim criar "fãs" para servir os seus princípios, aderir à sua luta ou até chegar a acreditar nos mesmos. Mais do que discursos pomposos e vozes cativantes e energéticas, o grande público (que era por sua vez pouco letrado) necessitava de uma interação mais direcionada à sua compreensão para que os objetivos dos propagandistas fossem atingidos com sucesso. Como a própria História nos pode mostrar, tanto Hitler como Estaline utilizaram o cinema para publicitarem os seus ideais e dar uma imagem por sua vez de acordo com aquilo que pretendia. No entanto, os ideais do primeiro nada têm a ver com os do segundo, mas o meio que ambos utilizam é simplesmente o mesmo. Como foi isto possível?
      No caso de Hitler, Leni Riefenstahl foi a artista utilizada para veicular o nazismo, realizando assim grandiosos filmes de propaganda nazi, onde Hitler era mostrado como o messias do povo alemão, por sua vez apoiado pelo seu poderio militar simbolizando assim o supremo poder da autoridade, mas ao mesmo tempo mostrando felicidade e satisfação na vida dos seus soldados e cidadãos, tentando passar a imagem do sucesso das políticas aplicadas. O povo alemão era também ele enaltecido, mostrando-se como uma raça superior e dominadora, durante toda a sua história e na atualidade, exibindo assim o poder militar e a exuberância das suas paradas para levantar a autoestima da população. Mas não foi só no campo politico-militar que Riefenstahl revelou ter mestria em escolher os planos certos e os movimentos de câmara bem organizados, pois as atividades desportivas (como os Jogos Olímpicos) também eram do agrado do povo alemão e por isso é que também foram utilizados como formas de propaganda indireta acabando por mostrar da mesma forma todo o esplendor ilusório da sociedade alemã. Tudo isto era feito com a elegância que era exigida para produzir uma imagem "correta" do povo alemão e do sucesso das suas políticas, levando assim o povo a acreditar e a apoiar tais dogmas. Por sua vez, Estaline utilizou Sergei M. Eisenstein para promover o comunismo e aliciar as massas a apoiar o mesmo, onde o povo é protagonista da sua luta, lutando assim pelos seus direitos contra os soberanos capitalistas que só se importam com o dinheiro e exploram os pobres que nada têm. Aqui Eisenstein procurara incluir nos seus filmes a realidade do povo trabalhador russo, mostrando as condições precárias onde este vivia e sensibilizando este grupo social para a revolta e para a violência com o objetivo de dar um rumo melhor às suas vidas. Estes filmes comunistas tentaram chocar o espetador nas cenas de pobreza e tentaram motivar o mesmo nas cenas de revolta, inspirando-lhes coragem para reagirem contra uma força que os oprimia. Tanto "O Triunfo da Vontade" ou "O Couraçado de Potemkin" são grandes filmes de propaganda política que iludiram e influenciaram as massas levando do cinema para o seu quotidiano as teorias ali incutidas para as poderem aplicar na prática.
      Mas o mais curioso é ver os métodos utilizados para transmitir os ideais políticos, pois ambos tinham técnicas cinematográficas diferentes que foram pioneiros na linguagem do cinema. Muitos outros cineastas posteriores foram diretamente influenciados por estes, embora os objetivos a atingir tenham sido completamente diferentes. Tudo para mostrar que, independentemente desses mesmos objetivos, os filmes podem ser feitos com arte e inteligência, contribuindo assim para o desenvolvimento do próprio cinema.



HR

     

20/07/2014

Cinema II

Esta semana proponho-vos uma reflexão sobre o dialecto cinematográfico que está na origem da 7ª arte e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos: 


A Língua Morta do Cinema
Por: Henrique Real


      A ideia que todos nós temos do cinema é aquela de que este comunica connosco através da imagem e do som assemelhando-se ao nosso quotidiano. Nos filmes cómicos, a comédia é proporcionada por conversas mal ou perversamente interpretadas, nos filmes românticos, toda a declaração amorosa feita reflecte-se num discurso pomposo onde as palavras são bem articuladas, nos filmes de acção, as explosões e os tiros têm um impacto sonoro estrondoso, etc. Reparamos que a relação imagem/som e som/imagem no cinema atual é essencial e indispensável, tornando-se necessária a sua junção, mas essa mesma linguagem foi enraizada com o aparecimento do som como nova componente cinematográfica. Com este, os filmes tornaram-se mais objetivos e diretos em termos comunicativos, ou seja, aproximaram-se mais da realidade humana e social de comunicar, identificando-se mais com o espetador. Mas, antes do som ter causado o impacto que causou modificando por completo a estética do cinema, o mesmo era mudo, silencioso, representado por diferentes formas que atualmente são antiquadas e disfuncionais. A base do cinema mudo estava na utilização dessas formas expressivas que substituíam os sons. Como na altura não havia meios técnicos que possibilitassem a gravação dos sons em cena e inclui-los na película, as alternativas encontradas para contornar este problema comunicativo eram a utilização de gestos bastante expressivos (e de certa forma exagerados) e de intertítulos textuais. Os atores, embora falassem sem serem ouvidos, necessitavam de exprimir os seus atos e diálogos em gestos com as mãos, reproduzindo “imagens” que o som facilmente “reproduziria”. Dessa forma, os filmes adquiriam um aspeto mais teatral e dramático, sendo hoje em dia um tanto ou quanto ridículo. Na altura, esta forma de linguagem era essencial para uma boa compreensão do filme, mas ao mesmo tempo, tirava o seu realismo. No entanto, a linguagem gestual não era suficiente para atingir os objetivos comunicativos, porque através dela não se compreendia a premissa por inteiro, daí a serem inseridos os intertítulos, que cumpriam a função de “falar” pelas personagens, indicando-nos assim os seus discursos. Para o espetador atual não faz sentido uma conversa “muda” ser constantemente intercalada por “legendas” de fundo preto indicando os seus diálogos, quebrando assim a sequência da própria cena, no entanto, para o espetador da época era a única forma de compreender a premissa do filme e de saber o que as personagens “diziam”. Com o aparecimento do som, toda esta estética se perdeu, simplificando a própria conceção da arte cinematográfica. A forma como se fazia e como se passaram a fazer os filmes modificou-se de tal forma que em Hollywood estrelas de cinema, nomeadamente atores e atrizes, sofreram um grande choque nas suas carreiras que ficaram arruinadas, pois era uma nova linguagem com a qual não estavam preparados para representar. A prática do “mudo” depressa caiu em desuso, tal como a sua própria representação. Mas embora o cinema esteja mais objetivo e realista com a aplicação do som, no entanto deixou de ser tão plástico, tão especial, tão único, tão distante. Como o latim, o “mudo” também deixou de ser “praticado”, tornando-se atualmente difícil de entender, porque não estamos preparados para o fazer. Tal como o latim, o culto do cinema mudo nunca se desvanecerá e sempre será tido em conta como o princípio de todas as “coisas”.   
     
 HR

14/07/2014

Cinema I

Estreio o meu blog com este texto por resumir o que eu considero como um elemento base do cinema como forma e arte:  

As Bolhas
Por: Henrique Real

      Numa cena de “Odd Man Out” de 1947, dirigido por Carol Reed, um personagem destroçado, deixa cair a sua bebida na mesa. Devido ao seu estado melancólico, o mesmo tem uma alucinação (vê a imagem, numa das bolhas, um homem ralhando consigo). Mais tarde, numa cena de “Two Or Tree Things I Know About Her” de (1967), realizado por Jean-Luc Godard, uma outra personagem perturbada, desabafa consigo mesmo enquanto observa as bolhas da sua bebida. E por fim, em 1976, com “Taxi Driver” de Martin Scorsese, observamos uma vez mais um personagem absorvido em si mesmo e nos seus ressentimentos, abstraindo-se a ver as bolhas da sua bebida efervescente, simbolizando também a raiva e a tensão psicológica do momento. O que têm de comum estes três filmes? Nada. Que ideia têm em comum estes três filmes? A das bolhas. Na história do cinema existe um exemplo sistemático: o das bolhas. 
      Temos três cenas que mostram três personagens que refletem nos seus problemas observando bolhas. No primeiro filme, o personagem está perturbado, no segundo está abstraído e no terceiro está tenso, mas todos os seus problemas estão reflectidos nas bolhas. Porquê as bolhas?! Qual a razão das bolhas?!
      No fundo, não há uma razão especial para a escolha das bolhas, pois estas não alimentam ou desfiguram o significado que a cena quer transmitir, simplesmente é uma fuga criada pelo realizador para mostrar e realçar os sentimentos presentes em cena, uma nova ideia de levar o espetador a refletir sobre a mensagem presente. Nos três filmes, as bolhas cumprem com o mesmo motivo de dar a ver o quanto é importante o pensamento daquelas personagens naquele momento. Numa versão mais convencional da coisa, a cena não teria tanto impacto. Por exemplo, se no filme de Carol Reed, o personagem não tivesse visto outro homem a reclamar consigo nas bolhas de uma bebida derramada, ou se em “Taxi Driver”, o personagem não tivesse tão concentrado a observar a efervescência da sua bebida enquanto está remoer pensamentos no seu subconsciente, provavelmente o espetador não daria a mesma importância ou atenção que no entanto assim passa a dar, e no fundo, não é nada de novo ver um personagem mergulhado nos seus problemas.
      Quando o cinema é concebido como forma de arte, para servir a mesma, o que faz dele algo artístico e intelectual são as ideias. Ideias que permitem mostrar imagens ao espetador algo de diferente, algo que este ainda nunca tinha visto antes. Por vezes o conteúdo (a mensagem) que está por detrás dessas ideias é que poderá não ser novo (as injustiças sociais, a pobreza, o racismo, a descriminação homossexual, a violência doméstica, etc.), ou seja, poderão ser temas demasiado “espremidos”, tornando também a sua abordagem mais cansativa e saturada, mas se houver uma nova forma de os mostrar de maneira diferente, não convencional, aí a sua abordagem tornar-se-á mais interessante e de certa forma diferente, parecendo então algo de novo. O cinema como arte pura, procura explorar novas formas de mostrar os vários assuntos que são abordados, dando-lhes uma nova roupagem e tornando-os (ou mantendo-os) atuais. 
      São estas novas ideias que elevam o cinema a uma forma de arte superior e atual comparado com as restantes, fazendo o espetador refletir sobre os assuntos propostos e a olhar as coisas com outros olhos.


HR