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06/08/2014

Música I

Aqui está o texto desta semana, desta vez sobre um dos artistas mais bem sucedidos do momento:


"GIRL"
Do backstage para as luzes da ribalta 
Por: Henrique Real

      Mesmo com a carreira dos The Neptunes/N.E.R.D. ainda ativa, Pharrell Williams em 2006 já tinha percebido que tinha talento, meios e possibilidades para conseguir escrever, produzir e cantar um álbum a solo. Embora com bastantes colaborações ao nível lírico e vocal, "In My Mind", foi a sua primeira grande investida numa carreira a solo deste artista norte-americano. Nesta situação, se antes já tinha conquistado notoriedade, depois desse disco ainda mais longe foi! Mas, ele conquistou de facto dois grandes papéis no mundo da música: o da produção e a escrita, ficando esquecido a parte vocal (tendo sido a mais precária), daí ele ter sido frequentemente recorrido por artistas como Madonna, Mariah Carey, Shakira, Gwen Stefani, para escrever e produzir as suas músicas, e de facto ele conseguiu-lhes refrescar a carreira. Com isso, a partir de 2006, ele foi ficando responsável pelo sucesso de muitos artistas pop atuando por detrás do espetáculo. Isso iria ser quebrado depois de ter participado na construção de dois grandes êxitos internacionais: "Blurred Lines" e "Get Lucky", que elevaram à fama Robin Thicke e renovaram a imagem dos Daft Punk. Depois destas duas grandes investidas, Pharrell percebeu que era agora a altura de voltar a apostar numa carreira a solo. E essa ideia ficou bem clara e definida depois de ver o sucesso que "Happy", música do filme "Gru - O Maldisposto 2" teve. Mas, Pharrell não quis regressar ao palco sem reinventar a sua imagem e a sua música. Aquela figura da "street" de "In My Mind" foi trocada para algo mais leve, charmoso e agradável, tendo como imagem de referência aquele chapéu da cavalaria canadiana, que lhe deu uma aparência mais original e de certa forma cómica. Musicalmente trocou o hip hop pelo Disco/funk, que de certa forma é uma manobra comercial, pois os singles "Blurred Lines" e "Get lucky" estavam orientados nessa medida. Dum modo geral, é neste contexto que nasce "Girl", um álbum inteiramente produzido por Williams que tem como objetivo reforçar a sua imagem a solo e mostrar o seu talento a vários níveis.
      A faixa de abertura é "Marilyn Monroe", que já é o segundo single oficial do álbum, foi escrita por Pharrell e Ann Marie Calhoun (sendo a única música do álbum que não é inteiramente escrita por ele). Esta é uma música do género funk/disco que nos conta a história de um rapaz que está apaixonado/seduzido por uma rapariga e que por muito que ele tente disfarçar o desejo de estar com ela, acaba por não o conseguir. Personalidades como Marilyn Monroe, Cleópatra e Joana D'Arc são invocadas como motivo de comparação com a rapariga com que o "eu" lírico está apaixonado, dizendo que a prefere em vez das mulheres mencionadas anteriormente. Basicamente, ele tenta ter controlo perante aquilo que sente para não fazer uma figura ridícula à custa disso, ao ponto de ser mal interpretado ou de não obter a credibilidade desejada, mas como todos os bons românticos, acaba por mostrar o que sente sobre essa rapariga que ele considera ser especial e diferente. A acompanhar o forte potencial desta letra temos um background musical bem trabalhado, com uma subtil mistura entre os ritmos disco e funk, cruzando com influências orquestrais clássicas, e temos uns vocais ligeiros e agradáveis (muito característicos do género disco). Tudo nesta primeira faixa está em perfeita harmonia: a letra, com a voz, com a sonoridade instrumental, fazendo assim desta obra uma canção agradável e inteligente, com uma certa classe e subtileza que não é muito usual nos dias de hoje. Uma das melhores deste LP. Como segunda faixa temos "Brand New", uma música mais uma vez orientada para a groove funk/disco contando com a colaboração vocal do incontornável Justin Timberlake, que retrata a ternura do profundo agradecimento que um rapaz tem pelo o que o seu amor lhe proporciona: vitalidade (fazendo-o "brand new"), mostrando o vazio quando existente antes da sua chegada e a jovialidade perante os bons momentos provenientes da sua companhia. Os vocais e a parte instrumental são bastante semelhantes aos da faixa anterior, proporcionando assim mais uma música agradável e relaxante. Depois vem "Hunter", uma música mais atrevida que transmite o desejo incessante do "eu" poético em passar a noite na companhia da sua namorada, mas esta por sua vez não está muito interessada nisso, dando espaço ao rapaz para desconfiar da fidelidade dela. Embora esta canção venha na orientação das outras anteriores, acaba também por ser mais relacionada com o "engate" direto, daí o ritmo ser mais consistente e grave em vez de leve e romântico como são as outras. A dada altura, os vocais são falados, e a maneira como isso foi feito e a relação que os mesmos têm com a sonoridade (e até a própria sonoridade em si), fizeram-me lembrar, o nº1 no hot100 dos Blondie, "Rapture", quando a vocalista (Debbie Harry) deixa de cantar melódicamente a letra (estendendo a sua voz em cada palavra de forma lenta) e começa a "rappa-la". Este trabalho faz de certa forma um contraste com os temas anteriores, embora o género e os vocais sejam idênticos. De seguida temos "Gush", também ela disco/funk, uma das faixas mais "sujas" do álbum, e a mais atrevida que a anterior. A letra desta é bem simples: um rapaz está fortemente excitado por uma rapariga desejando ter relações com ela (nada mais que isto!). A sonoridade e voz são semelhantes à das músicas anteriores, mas a lírica assemelha-se mais à fase inicial de Pharrell, fazendo um grande contraste com as restantes de "GIRL", tornando-a também uma das faixas menos ambiciosas aqui incluídas. O primeiro single deste álbum, o também nº1 por dez semanas no hot100, o também nomeado para um Óscar da academia, "Happy" (a música principal do filme "Gru - O Maldisposto 2") já é considerado um clássico! Esta canção neosoul/funk, influenciada pelo trabalho de Curtis Mayfield, muito bem sucedida incentiva-nos a ser optimistas e a ter auto-estima alta, em vez de nos deixarmos abater pelos problemas do quotidiano. À que admirar a qualidade desta letra, que quando comparado com os grandes sucessos contemporâneos, vemos uma maturidade e uma inteligência sem igual, refutando temas ou histórias fúteis (como por exemplo a da faixa anterior a esta!), utilizando comparações e metáforas bem conseguidas (como por exemplo: "(...) if you feel like a room without a roof" ou "Bring me down, my level's too high") que enriquecem a mensagem da musica: "if you feel like that’s what you wanna do"!. Na parte instrumental, é bastante percetível os ritmos relaxantes que descontraem e elevam a alma, bem característicos do soul, com uma menção especial para o coro que de certa forma dá corpo ao refrão. Aqui temos uma obra bastante original, que prova o quanto Pharrell Williams é um grande artista nos mais variados campos da música (produção, voz, escrita, etc.). O terceiro single de "GIRL", "Come Get It Bae", é que fica um bocado "ao lado" comparado com os outros que saíram anteriormente. Mais uma vez a letra (sem criatividade nem originalidade) relata os impulsos/desejos sexuais de um rapaz por uma rapariga. Esta faixa é funk, com uma batida forte e um ritmo ativo trazido pelas palmas e pelo baixo. Em suma, nada de novo é trazido por esta faixa, servindo somente para encher. "Gust Of Wind", é outra canção forte deste álbum. Puramente disco (e fortemente influenciada pela colaboração especial dos Daft Punk não creditada) esta é uma faixa relaxante, com uma sonoridade rica, tendo a mesma química que "Get Lucky" ou "Lose Yourself To Dance". Esta é a faixa mais "clássica" dentro do género, com um leve toque progressista (principalmente no refrão). No mesmo, os vocais (dos Daft Punk) estão sintetizados, enquanto que no resto da música os vocais de Pharrell permanecem suaves e delicados como nas maiorias das músicas deste disco. Aqui, o "eu" poético mostra o impacto da presença da sua amada, através de metáforas e comparações. Com esta faixa, o ambiente romântico é recuperado. "Lost Queen" é definitivamente a faixa mais criativa deste álbum. Inicialmente tem uma sonoridade mais exótica, que nos transporta para um ambiente mais acústico, depois, relativamente a meio da música, quando pensamos que esta acaba, começamos a ouvir o som do mar, das ondas e da maré, passando depois para uma batida mais eletrónica (igualmente relaxante como a primeira), onde os vocais estão sob um filtro que torna a voz do artista mais espacial e vaga (ao contrário da primeira parte onde a sua voz está normal). A lírica retrata a "servidão" e o fascínio do "eu" pela sua amada mística. Aqui, Pharrell Williams prova ser um verdadeiro artista, pois numa música inclui duas separadas por uma sonoridade ambiente, como que retirada de um filme, aliás, toda esta faixa parece ser retirada de uma banda sonora, pois é notória a necessidade de uma componente visual (ficando a sensação de que nos falta alguma coisa!). De seguida vem "Know Who You Are", uma canção que conta com a colaboração vocal de Alicia Keys (que se faz sobressair - como é natural!), mostra assim uma sonoridade calma e relaxante com uns toques de R&B. Com uma letra bastante interessante, esta faixa retrata o carinho de um rapaz pela sua companheira que teve um dia difícil. Nesta medida ele tenta relaxá-la, fazendo-a aproveitar um momento de paz. E finalizamos "GIRL" com a música "It Girl", que retrata o impacto da sedução feita pela amante no "eu" poético, deixando-o encantado (ou descontrolado?!). Não saindo do género dominante deste álbum, esta faixa agradável e viva, tendo uma sonoridade summer times, está longe de sobressair na playlist do álbum em geral.
      Em suma: trata-se de um registo discográfico agradável e relaxante, viajando pelo funk/disco, sendo fortemente influenciado pelos antepassados do género. Embora muito revivalista, não deixa de ser original e criativo, utilizando assim as várias tecnologias e meios que atualmente são bem sucedidas (Daft Punk, por exemplo) com o objetivo de renovar um estilo que se encontra ultrapassado e esquecido. Para a carreira musical do artista, este trabalho marca um novo capítulo, do qual deverá ser explorado, mas nem tudo foi deixado para trás! Ainda podemos constatar neste álbum, à semelhança do primeiro, letras muito atrevidas e sujas, que no fundo, não passam de reminiscências da sua origem (hip hop), que de certa forma, contrastam muito no panorama geral. Neste trabalho está a prova viva do talento de Pharrell nos vários campos musicais: ele escreve e produz todas as faixas, ele canta e trabalha a voz das mais variadas formas, e articula tudo isto harmoniosa e equilibradamente, soando "doce" ao ouvido. Dentro deste prisma, as faixas que melhor ilustram este trabalho ambicioso são: "Marilyn Monroe"; "Brand New"; "Happy"; "Gust Of Wind" e "Lost Queen". Mas ainda não estamos confrontados com um disco "cinco estrelas", no entanto, para lá caminhamos. Sem uma grande playlist organizada de uma forma especial, este registo disco/funk (nº2 na Billboard200) só tem uma edição: a standard (com uma faixa bónus no Japão - "Smile") e pode-se considerar que está dirigido a um grupo social em especial: aos jovens heterossexuais, que se consideram bons amantes e "aventureiros" (daí a capa ser sugestiva). Embora "Girl" não seja um álbum perfeito, conseguiu, no entanto, cumprir o seu objetivo principal: enriquecer a carreira a solo de Pharrell Williams, transportando-o do backstage para as luzes da ribalta. 
               


Pharrell Williams virá a Portugal no dia 3 de Outubro no MeoArena.

HR
                       


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