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11/08/2014

Cinema IV

Voltando ao cinema, aqui deixo a minha reflexão (na perspetiva da semiótica) dum dos filmes que tive oportunidade de ver recentemente:  

Coisa Sugestiva
Um signo ruim...
por Henrique Real

            
      O filme de 2006 "Coisa Ruim" realizado por Tiago Guedes e Frederico Serra mantém a atenção do espetador através de signos, levando-o a interessar-se pela película desde o início até ao fim, sendo este aspeto como um dos principais que a caracteriza. Entende-se por signo aquilo que é uma transmissão ou construção mental, por via da qual um organismo influencia o comportamento ou estado de outro organismo, numa situação de comunicação. Em "Coisa Ruim", existem vários signos que levam o espetador a ter um diferente olhar sobre a história e que estimulam a atividade da mesma. Neste caso, cabe ao espetador perceber as "pistas" que lhe são deixadas para que o próprio possa ver para além do que é evidente, caso contrário, se o público não vê para lá do objetivo, nunca achará o filme minimamente atrativo do ponto de vista artístico ou cinematográfico nem numa perspetiva de puro entretenimento, pois os signos são a matéria teórica que dá profundidade aquilo que aparentemente não tem importância.
      Um excelente exemplo de um signo no filme é a cena em que Xavier Oliveira Monteiro (interpretado por Adriano Luz) está a descansar no bosque com os seus dois amigos/colegas naturais daquela aldeia recatada e rural. Esse momento proporciona várias conversas de cariz bizarro e sobrenatural que se passaram naquela região. A última história que é contada é sobre como se descobrem as bruxas ("mulheres que envergam no caminho da maldade sabe-se lá porquê"), e é contada a seguinte "profecia": no final de cada missa, é costume o padre finalizar fechando o livro sagrado, mas quando por algum motivo ele se esquece de o fechar, as ditas bruxas que estavam a assistir à missa não se levantam dos bancos da assistência ao contrário dos outros fiéis. No momento em que este episódio é contado, a "imagem" visual do filme muda de um plano no bosque onde entram as personagens referidas anteriormente para um plano de uma missa onde inicialmente a câmara foca o padre descendo até à bíblia aberta, pousada na mesa. Depois é-nos dado um plano geral em que se vê a conclusão da missa. Nesse plano, o padre e todas as outras pessoas deixam os seus lugares e retiram-se ficando só a personagem Helena Oliveira Monteiro, mulher de Xavier (interpretada por Manuela Couto) que continua exatamente no mesmo sítio sem se mover. Em paralelo, a "imagem" sonora continua a mesma do plano anterior (ou seja, ouve-se a dita história a ser contada).
      Na realidade, esta cena não é nada de especial na sua mais pura evidência, pois notamos que nem mete impacto imediato no espetador nem é um climax do próprio filme, ou seja, passa despercebida pela maioria dos espetadores desatentos, que esperam algo mais chocante ou espetacular para despertar a sua atenção.    
      Se dissecarmos a "coisa" notamos que o facto da "imagem" visual mudar mas "imagem" sonora permanecer significa já por si algo: a história que está a ser contada está a ser ao mesmo tempo ilustrada com um acontecimento da própria premissa do filme que acontece em paralelo com o convívio do plano anterior. Logo aqui o público é chamado à atenção de que aquela "profecia" é importante para o desenvolvimento e compreensão do enredo e que não passa de uma simples e casual conversa entre as personagens. A "profecia" significa que pelo menos uma das personagens do filme é uma bruxa, mas qual? A resposta também está nessa mesma cena. A personagem Helena correspondeu ao perfil da "profecia": assistiu à missa e, quando esta acabou, não se retirou do seu lugar ao contrário das pessoas que a rodeavam, pois a bíblia ficou aberta. Esta atitude sugere-nos  que ela é uma bruxa, mas, por enquanto, só o espetador é que sabe, nenhuma das outras personagens (nem mesmo a própria Helena) desconfia de tal "coisa ruim". Aqui, o signo corresponde à "influência"/relação que a bíblia aberta tem na personagem Helena, pois se o livro tivesse sido fechado, ela ter-se-ia levantado do seu lugar, mas como não é o caso, a mesma não se moveu. Estabelece-se aqui uma relação de dependência, ou seja, esta personagem age conforme o estado de algumas "coisas" que a rodeiam, neste caso, ela age conforme o estado da bíblia naquela circunstância e é este signo que sugere ao público da plateia de que ela é uma bruxa. 
      Isto só prova que o filme se desenvolve através de "pistas" bastante sugestivas e subtis que passam despercebidas ao espetador desatento e fazem as delícias do público interessado na profundidade de uma premissa aparentemente vulgar e objetiva. Uma vez adotado este método, o filme exige mais do espetador para uma melhor compreensão do mesmo, fazendo-o pensar e refletir sobre os conceitos ali presentes mostrando assim o quanto este filme é vasto e metafórico, superior ao que é básico e gratuito.



HR


          

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