Esta semana proponho-vos uma reflexão sobre o dialecto cinematográfico que está na origem da 7ª arte e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos:
A Língua Morta do Cinema
Por: Henrique Real
A ideia que todos nós temos do cinema
é aquela de que este comunica connosco através da imagem e do som
assemelhando-se ao nosso quotidiano. Nos filmes cómicos, a comédia é
proporcionada por conversas mal ou perversamente interpretadas, nos filmes
românticos, toda a declaração amorosa feita reflecte-se num discurso pomposo
onde as palavras são bem articuladas, nos filmes de acção, as explosões e os
tiros têm um impacto sonoro estrondoso, etc. Reparamos que a relação imagem/som
e som/imagem no cinema atual é essencial e indispensável, tornando-se
necessária a sua junção, mas essa mesma linguagem foi enraizada com o
aparecimento do som como nova componente cinematográfica. Com este, os filmes
tornaram-se mais objetivos e diretos em termos comunicativos, ou seja,
aproximaram-se mais da realidade humana e social de comunicar, identificando-se
mais com o espetador. Mas, antes do som ter causado o impacto que causou
modificando por completo a estética do cinema, o mesmo era mudo, silencioso,
representado por diferentes formas que atualmente são antiquadas e
disfuncionais. A base do cinema mudo estava na utilização dessas formas
expressivas que substituíam os sons. Como na altura não havia meios técnicos
que possibilitassem a gravação dos sons em cena e inclui-los na película, as
alternativas encontradas para contornar este problema comunicativo eram a
utilização de gestos bastante expressivos (e de certa forma exagerados) e de
intertítulos textuais. Os atores, embora falassem sem serem ouvidos,
necessitavam de exprimir os seus atos e diálogos em gestos com as mãos,
reproduzindo “imagens” que o som facilmente “reproduziria”. Dessa forma, os
filmes adquiriam um aspeto mais teatral e dramático, sendo hoje em dia um tanto
ou quanto ridículo. Na altura, esta forma de linguagem era essencial para uma
boa compreensão do filme, mas ao mesmo tempo, tirava o seu realismo. No
entanto, a linguagem gestual não era suficiente para atingir os objetivos comunicativos,
porque através dela não se compreendia a premissa por inteiro, daí a serem
inseridos os intertítulos, que cumpriam a função de “falar” pelas personagens,
indicando-nos assim os seus discursos. Para o espetador atual não faz sentido
uma conversa “muda” ser constantemente intercalada por “legendas” de fundo
preto indicando os seus diálogos, quebrando assim a sequência da própria cena,
no entanto, para o espetador da época era a única forma de compreender a
premissa do filme e de saber o que as personagens “diziam”. Com o aparecimento
do som, toda esta estética se perdeu, simplificando a própria conceção da arte
cinematográfica. A forma como se fazia e como se passaram a fazer os filmes
modificou-se de tal forma que em Hollywood estrelas de cinema, nomeadamente
atores e atrizes, sofreram um grande choque nas suas carreiras que ficaram arruinadas, pois era uma nova linguagem com a qual não estavam
preparados para representar. A prática do “mudo” depressa caiu em desuso, tal
como a sua própria representação. Mas embora o cinema esteja mais objetivo e
realista com a aplicação do som, no entanto deixou de ser tão plástico, tão
especial, tão único, tão distante. Como o latim, o “mudo” também deixou de ser
“praticado”, tornando-se atualmente difícil de entender, porque não estamos
preparados para o fazer. Tal como o latim, o culto do cinema mudo nunca se
desvanecerá e sempre será tido em conta como o princípio de todas as “coisas”.
HR
Sem comentários:
Enviar um comentário