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20/07/2014

Cinema II

Esta semana proponho-vos uma reflexão sobre o dialecto cinematográfico que está na origem da 7ª arte e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos: 


A Língua Morta do Cinema
Por: Henrique Real


      A ideia que todos nós temos do cinema é aquela de que este comunica connosco através da imagem e do som assemelhando-se ao nosso quotidiano. Nos filmes cómicos, a comédia é proporcionada por conversas mal ou perversamente interpretadas, nos filmes românticos, toda a declaração amorosa feita reflecte-se num discurso pomposo onde as palavras são bem articuladas, nos filmes de acção, as explosões e os tiros têm um impacto sonoro estrondoso, etc. Reparamos que a relação imagem/som e som/imagem no cinema atual é essencial e indispensável, tornando-se necessária a sua junção, mas essa mesma linguagem foi enraizada com o aparecimento do som como nova componente cinematográfica. Com este, os filmes tornaram-se mais objetivos e diretos em termos comunicativos, ou seja, aproximaram-se mais da realidade humana e social de comunicar, identificando-se mais com o espetador. Mas, antes do som ter causado o impacto que causou modificando por completo a estética do cinema, o mesmo era mudo, silencioso, representado por diferentes formas que atualmente são antiquadas e disfuncionais. A base do cinema mudo estava na utilização dessas formas expressivas que substituíam os sons. Como na altura não havia meios técnicos que possibilitassem a gravação dos sons em cena e inclui-los na película, as alternativas encontradas para contornar este problema comunicativo eram a utilização de gestos bastante expressivos (e de certa forma exagerados) e de intertítulos textuais. Os atores, embora falassem sem serem ouvidos, necessitavam de exprimir os seus atos e diálogos em gestos com as mãos, reproduzindo “imagens” que o som facilmente “reproduziria”. Dessa forma, os filmes adquiriam um aspeto mais teatral e dramático, sendo hoje em dia um tanto ou quanto ridículo. Na altura, esta forma de linguagem era essencial para uma boa compreensão do filme, mas ao mesmo tempo, tirava o seu realismo. No entanto, a linguagem gestual não era suficiente para atingir os objetivos comunicativos, porque através dela não se compreendia a premissa por inteiro, daí a serem inseridos os intertítulos, que cumpriam a função de “falar” pelas personagens, indicando-nos assim os seus discursos. Para o espetador atual não faz sentido uma conversa “muda” ser constantemente intercalada por “legendas” de fundo preto indicando os seus diálogos, quebrando assim a sequência da própria cena, no entanto, para o espetador da época era a única forma de compreender a premissa do filme e de saber o que as personagens “diziam”. Com o aparecimento do som, toda esta estética se perdeu, simplificando a própria conceção da arte cinematográfica. A forma como se fazia e como se passaram a fazer os filmes modificou-se de tal forma que em Hollywood estrelas de cinema, nomeadamente atores e atrizes, sofreram um grande choque nas suas carreiras que ficaram arruinadas, pois era uma nova linguagem com a qual não estavam preparados para representar. A prática do “mudo” depressa caiu em desuso, tal como a sua própria representação. Mas embora o cinema esteja mais objetivo e realista com a aplicação do som, no entanto deixou de ser tão plástico, tão especial, tão único, tão distante. Como o latim, o “mudo” também deixou de ser “praticado”, tornando-se atualmente difícil de entender, porque não estamos preparados para o fazer. Tal como o latim, o culto do cinema mudo nunca se desvanecerá e sempre será tido em conta como o princípio de todas as “coisas”.   
     
 HR

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