Translate

27/07/2014

Cinema III

Para esta semana proponho-vos uma reflexão sobre o uso do cinema em prol da política autoritária do século passado:  

A Arte da Propaganda
A nova técnica de comunicação com as massas
por Henrique Real


      Quando Auguste e Louis Lumière inventaram o cinematógrafo e toda a linguagem que surgiu com esta tecnologia (o cinema), nunca imaginaram o poder que esta nova arte emergente teria na sociedade moderna. Como mais tarde se iria revelar, o cinema interagia diretamente com o espetador, fazendo-o chorar em cenas dramáticas, fazendo-o rir em cenas cómicas ou fazendo-o ansioso em cenas de suspense por exemplo, comunicando assim de forma interativa. A película influencia o estado de espírito do espetador proporcionando ao mesmo experiências ou sensações diferentes.
    Não demorou muito para que esta nova forma de arte não servisse várias outras necessidades aparentemente inesperadas ou incompatíveis, como por exemplo a propaganda política. Tanto os opressores como os inconformistas utilizaram o cinema para se expressarem e promoverem os seus ideais, tentando assim criar "fãs" para servir os seus princípios, aderir à sua luta ou até chegar a acreditar nos mesmos. Mais do que discursos pomposos e vozes cativantes e energéticas, o grande público (que era por sua vez pouco letrado) necessitava de uma interação mais direcionada à sua compreensão para que os objetivos dos propagandistas fossem atingidos com sucesso. Como a própria História nos pode mostrar, tanto Hitler como Estaline utilizaram o cinema para publicitarem os seus ideais e dar uma imagem por sua vez de acordo com aquilo que pretendia. No entanto, os ideais do primeiro nada têm a ver com os do segundo, mas o meio que ambos utilizam é simplesmente o mesmo. Como foi isto possível?
      No caso de Hitler, Leni Riefenstahl foi a artista utilizada para veicular o nazismo, realizando assim grandiosos filmes de propaganda nazi, onde Hitler era mostrado como o messias do povo alemão, por sua vez apoiado pelo seu poderio militar simbolizando assim o supremo poder da autoridade, mas ao mesmo tempo mostrando felicidade e satisfação na vida dos seus soldados e cidadãos, tentando passar a imagem do sucesso das políticas aplicadas. O povo alemão era também ele enaltecido, mostrando-se como uma raça superior e dominadora, durante toda a sua história e na atualidade, exibindo assim o poder militar e a exuberância das suas paradas para levantar a autoestima da população. Mas não foi só no campo politico-militar que Riefenstahl revelou ter mestria em escolher os planos certos e os movimentos de câmara bem organizados, pois as atividades desportivas (como os Jogos Olímpicos) também eram do agrado do povo alemão e por isso é que também foram utilizados como formas de propaganda indireta acabando por mostrar da mesma forma todo o esplendor ilusório da sociedade alemã. Tudo isto era feito com a elegância que era exigida para produzir uma imagem "correta" do povo alemão e do sucesso das suas políticas, levando assim o povo a acreditar e a apoiar tais dogmas. Por sua vez, Estaline utilizou Sergei M. Eisenstein para promover o comunismo e aliciar as massas a apoiar o mesmo, onde o povo é protagonista da sua luta, lutando assim pelos seus direitos contra os soberanos capitalistas que só se importam com o dinheiro e exploram os pobres que nada têm. Aqui Eisenstein procurara incluir nos seus filmes a realidade do povo trabalhador russo, mostrando as condições precárias onde este vivia e sensibilizando este grupo social para a revolta e para a violência com o objetivo de dar um rumo melhor às suas vidas. Estes filmes comunistas tentaram chocar o espetador nas cenas de pobreza e tentaram motivar o mesmo nas cenas de revolta, inspirando-lhes coragem para reagirem contra uma força que os oprimia. Tanto "O Triunfo da Vontade" ou "O Couraçado de Potemkin" são grandes filmes de propaganda política que iludiram e influenciaram as massas levando do cinema para o seu quotidiano as teorias ali incutidas para as poderem aplicar na prática.
      Mas o mais curioso é ver os métodos utilizados para transmitir os ideais políticos, pois ambos tinham técnicas cinematográficas diferentes que foram pioneiros na linguagem do cinema. Muitos outros cineastas posteriores foram diretamente influenciados por estes, embora os objetivos a atingir tenham sido completamente diferentes. Tudo para mostrar que, independentemente desses mesmos objetivos, os filmes podem ser feitos com arte e inteligência, contribuindo assim para o desenvolvimento do próprio cinema.



HR

     

20/07/2014

Cinema II

Esta semana proponho-vos uma reflexão sobre o dialecto cinematográfico que está na origem da 7ª arte e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos: 


A Língua Morta do Cinema
Por: Henrique Real


      A ideia que todos nós temos do cinema é aquela de que este comunica connosco através da imagem e do som assemelhando-se ao nosso quotidiano. Nos filmes cómicos, a comédia é proporcionada por conversas mal ou perversamente interpretadas, nos filmes românticos, toda a declaração amorosa feita reflecte-se num discurso pomposo onde as palavras são bem articuladas, nos filmes de acção, as explosões e os tiros têm um impacto sonoro estrondoso, etc. Reparamos que a relação imagem/som e som/imagem no cinema atual é essencial e indispensável, tornando-se necessária a sua junção, mas essa mesma linguagem foi enraizada com o aparecimento do som como nova componente cinematográfica. Com este, os filmes tornaram-se mais objetivos e diretos em termos comunicativos, ou seja, aproximaram-se mais da realidade humana e social de comunicar, identificando-se mais com o espetador. Mas, antes do som ter causado o impacto que causou modificando por completo a estética do cinema, o mesmo era mudo, silencioso, representado por diferentes formas que atualmente são antiquadas e disfuncionais. A base do cinema mudo estava na utilização dessas formas expressivas que substituíam os sons. Como na altura não havia meios técnicos que possibilitassem a gravação dos sons em cena e inclui-los na película, as alternativas encontradas para contornar este problema comunicativo eram a utilização de gestos bastante expressivos (e de certa forma exagerados) e de intertítulos textuais. Os atores, embora falassem sem serem ouvidos, necessitavam de exprimir os seus atos e diálogos em gestos com as mãos, reproduzindo “imagens” que o som facilmente “reproduziria”. Dessa forma, os filmes adquiriam um aspeto mais teatral e dramático, sendo hoje em dia um tanto ou quanto ridículo. Na altura, esta forma de linguagem era essencial para uma boa compreensão do filme, mas ao mesmo tempo, tirava o seu realismo. No entanto, a linguagem gestual não era suficiente para atingir os objetivos comunicativos, porque através dela não se compreendia a premissa por inteiro, daí a serem inseridos os intertítulos, que cumpriam a função de “falar” pelas personagens, indicando-nos assim os seus discursos. Para o espetador atual não faz sentido uma conversa “muda” ser constantemente intercalada por “legendas” de fundo preto indicando os seus diálogos, quebrando assim a sequência da própria cena, no entanto, para o espetador da época era a única forma de compreender a premissa do filme e de saber o que as personagens “diziam”. Com o aparecimento do som, toda esta estética se perdeu, simplificando a própria conceção da arte cinematográfica. A forma como se fazia e como se passaram a fazer os filmes modificou-se de tal forma que em Hollywood estrelas de cinema, nomeadamente atores e atrizes, sofreram um grande choque nas suas carreiras que ficaram arruinadas, pois era uma nova linguagem com a qual não estavam preparados para representar. A prática do “mudo” depressa caiu em desuso, tal como a sua própria representação. Mas embora o cinema esteja mais objetivo e realista com a aplicação do som, no entanto deixou de ser tão plástico, tão especial, tão único, tão distante. Como o latim, o “mudo” também deixou de ser “praticado”, tornando-se atualmente difícil de entender, porque não estamos preparados para o fazer. Tal como o latim, o culto do cinema mudo nunca se desvanecerá e sempre será tido em conta como o princípio de todas as “coisas”.   
     
 HR

14/07/2014

Cinema I

Estreio o meu blog com este texto por resumir o que eu considero como um elemento base do cinema como forma e arte:  

As Bolhas
Por: Henrique Real

      Numa cena de “Odd Man Out” de 1947, dirigido por Carol Reed, um personagem destroçado, deixa cair a sua bebida na mesa. Devido ao seu estado melancólico, o mesmo tem uma alucinação (vê a imagem, numa das bolhas, um homem ralhando consigo). Mais tarde, numa cena de “Two Or Tree Things I Know About Her” de (1967), realizado por Jean-Luc Godard, uma outra personagem perturbada, desabafa consigo mesmo enquanto observa as bolhas da sua bebida. E por fim, em 1976, com “Taxi Driver” de Martin Scorsese, observamos uma vez mais um personagem absorvido em si mesmo e nos seus ressentimentos, abstraindo-se a ver as bolhas da sua bebida efervescente, simbolizando também a raiva e a tensão psicológica do momento. O que têm de comum estes três filmes? Nada. Que ideia têm em comum estes três filmes? A das bolhas. Na história do cinema existe um exemplo sistemático: o das bolhas. 
      Temos três cenas que mostram três personagens que refletem nos seus problemas observando bolhas. No primeiro filme, o personagem está perturbado, no segundo está abstraído e no terceiro está tenso, mas todos os seus problemas estão reflectidos nas bolhas. Porquê as bolhas?! Qual a razão das bolhas?!
      No fundo, não há uma razão especial para a escolha das bolhas, pois estas não alimentam ou desfiguram o significado que a cena quer transmitir, simplesmente é uma fuga criada pelo realizador para mostrar e realçar os sentimentos presentes em cena, uma nova ideia de levar o espetador a refletir sobre a mensagem presente. Nos três filmes, as bolhas cumprem com o mesmo motivo de dar a ver o quanto é importante o pensamento daquelas personagens naquele momento. Numa versão mais convencional da coisa, a cena não teria tanto impacto. Por exemplo, se no filme de Carol Reed, o personagem não tivesse visto outro homem a reclamar consigo nas bolhas de uma bebida derramada, ou se em “Taxi Driver”, o personagem não tivesse tão concentrado a observar a efervescência da sua bebida enquanto está remoer pensamentos no seu subconsciente, provavelmente o espetador não daria a mesma importância ou atenção que no entanto assim passa a dar, e no fundo, não é nada de novo ver um personagem mergulhado nos seus problemas.
      Quando o cinema é concebido como forma de arte, para servir a mesma, o que faz dele algo artístico e intelectual são as ideias. Ideias que permitem mostrar imagens ao espetador algo de diferente, algo que este ainda nunca tinha visto antes. Por vezes o conteúdo (a mensagem) que está por detrás dessas ideias é que poderá não ser novo (as injustiças sociais, a pobreza, o racismo, a descriminação homossexual, a violência doméstica, etc.), ou seja, poderão ser temas demasiado “espremidos”, tornando também a sua abordagem mais cansativa e saturada, mas se houver uma nova forma de os mostrar de maneira diferente, não convencional, aí a sua abordagem tornar-se-á mais interessante e de certa forma diferente, parecendo então algo de novo. O cinema como arte pura, procura explorar novas formas de mostrar os vários assuntos que são abordados, dando-lhes uma nova roupagem e tornando-os (ou mantendo-os) atuais. 
      São estas novas ideias que elevam o cinema a uma forma de arte superior e atual comparado com as restantes, fazendo o espetador refletir sobre os assuntos propostos e a olhar as coisas com outros olhos.


HR