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27/08/2014

Música III

Para esta semana aqui está uma breve crítica ao novo álbum de Ariana Grande:

Imparavelmente Grande
Finalmente chegou o tanto esperado segundo registo discográfico de Ariana Grande que mostra que ela veio para ficar.
Por: Henrique Real

Depois do estrondo do single de estreia “The Way” no ano passado, a cantora norte-americana Ariana Grande tem sido uma grande revelação no mundo do R&B e um fenómeno internacional. Devido à sua voz delicada e à sua imagem muito doll, ela depressa atingiu o topo da sua carreira, tendo sido bem-sucedida com o seu primeiro álbum (“Yours Truly”) que entrou para o top 20 em dez países, tendo alcançado o nº1 no seu país natal. Por muitos considerada como um legado direto de Mariah Carey, pelas semelhanças artísticas que a primeira tem com a segunda (isso é bem visível quando Ariana produz aqueles ‘gritinhos’ que tão característicos são de Carey), Ariana é a cara jovem do R&B dos nossos dias. Com esta fama fresca, ela não hesitou em trabalhar num novo álbum que impusesse definitivamente a sua presença.
Foi neste contexto que nasceu “My Everything”, que saiu no passado dia 22 deste mês. Este álbum R&B que vive sobretudo de colaborações com artistas ‘do momento’. Temos contribuições de Iggy Azalea; Big Sean; Zedd; Cashmere Cat; Childish Gambino; The Weeknd; ASAP Ferg; Nicki Minaj; Ryan Tedder; Jessie J; David Guetta; Benny Blanco; Nile Rodgers e Harry Styles, que fazem deste disco um trabalho rico em sonoridades e temáticas diferentes, – com um estilo R&B predominante, notamos também a presença de influências da EDM e do Hip-Hop – mas também contribuem para que o mesmo fique muito agarrado à sombra da fama e do talento de outros artistas, não sobressaindo assim o da cantora principal como característica central. Não só está cheio de letras sentimentais e românticas como também temos líricas atrevidas, fazendo assim de Ariana Grande uma artista versátil. As headlines do álbum são “Problem” (que contém um ritmo contagiante e a participação de Iggy); “One Last Time” (uma faixa agradável e sensacionalista); “Break Free” (que é a faixa mais EDM do disco devido à presença de Zedd); “Best Mistake” (uma balada R&B/Hip-Hop austera e pesada); “Love Me Harder” (um dueto bem ao ritmo teen-pop); “Just a Little Bit of Your Heart” (a balada mais melancólica do álbum); “Hands On Me” (uma das canções mais atrevidas e sensuais da cantora) e ”Bang Bang” (a muito esperada colaboração com Jessie J e Nicki Minaj que conta com influências soul e ritmos pró-ativos). Embora não tão ambiciosas como as mencionadas anteriormente mas também elas boas são “Only 1” e “You Don’t Know Me” que juntamente com “Bang Bang” são exclusivas da edição deluxe.
      Em suma: embora Ariana Grande tenha grandes influências de Carey e grandes ajudas de outros artistas neste novo registo, temos também de ver que a doçura e potência da sua voz são algo raras e únicas, dando-lhe a oportunidade de alcançar altas notas e projetá-las no espaço, e isso é a prova que ela tem capacidade para fazer algo mais original a solo sem tantos apoios ou sombras de outros músicos (este aspeto é o que a difere de outros artistas, como Pitbull, que são ‘parasitas’ do sucesso dos outros, não conseguindo fazer algo a solo) ao contrário deste álbum – basta tentar!


HR

16/08/2014

Música II

Esta semana trago-vos uma reflexão sobre o preço do sucesso a longo prazo:

"ARTPOP"
Fazer a diferença à força ou criatividade incompreendida
Por Henrique Real


      Depois da grande extravagância que foi "Born This Way" e a sua promoção, os fãs de Lady Gaga estavam famintos pelo próximo trabalho da artista. Com quatro singles no top dez, tendo o primeiro chegado ao número um do Hot100, a artista norte-americana sente-se na obrigação de continuar a alimentar este "monstro" que é a fama e o impacto social que cria. Finalmente sai o single principal do seu novo disco: "Applause" que entra diretamente no top dez (que por coincidência concorre com o regresso de Katy Perry através de "Roar", que como sabemos, dificulta as coisas para Gaga, pois Perry já a tinha superado antes a larga escala com o disco "Teenage Dream"), permanecendo lá durante várias semanas (não consecutivas), mas não foi um tiro certeiro. A música até pode ser pro-ativa mas não era do mesmo esplendor que "Bad Romance" ou "Born This Way", que tinham videoclips excessivamente espalhafatosos com uma história para contar. O vídeo de "Applause", para além de não ser tão vistoso como os anteriores da cantora, também não tinha conteúdo, ou seja, o espetáculo que tinha valia só por si (o que se formos a ver até vai de encontro com a letra da canção). Entretanto sai o segundo single oficial, "Do What U Want", que mais uma vez fica prejudicado pelo seu videoclip, que nem chegou a sair! Para cobrir essa grave lacuna, Gaga gravou uma versão do single que substituía R. Kelly por Christina Aguilera, o que foi um grande erro! E como três é um número perfeito, chega-nos a terceira razão para o falhanço de Gaga: a escolha do terceiro single! "Dope" foi um single promocional bastante bem sucedido, daí a expetativa de vir a ter algum protagonismo, mas optou-se por lançar "G.U.Y." que embora sendo uma excelente música, o público já não teve o mesmo entusiasmo que deu aos singles anteriores, logo não teve a atenção merecida! Tudo isto agregado a um álbum um tanto ou quanto experimental (como iremos ver) contribuiu para que "Artpop" seja o seu primeiro falhanço comercial na carreira de uma artista que, em poucos anos, esperava-se que superasse Madonna (por exemplo!). No fundo, quanto mais era desejado um grande regresso, mais fracassado ele se tornou, não conseguindo saltar a fasquia. Comercialmente, "Artpop" não superou as expetativas, mas artisticamente será que foi um falhanço ou foi incompreendido?    
      "Aura" é a canção de abertura do álbum podendo-se considerar Dance-pop ou EDM experimental com alguns ritmos latinos obtidos pela viola que ouvimos logo da faixa. Foi escrita e produzida por ela, Zedd e pelos Infected Mushroom. A música fala de uma rapariga que utiliza a burca com uma conotação erótica, ou seja, esconde a sua beleza para cativar a curiosidade do parceiro em possui-la. Neste caso, Lady Gaga desconecta o sentido religioso da burca para lhe dar um contexto sexual e exótico, ilustrando assim o seguinte provérbio: o fruto proibido é sempre o mais  apetecido. A sua voz está trabalhada de quatro maneiras diferentes: a primeira é na introdução onde nos é apresentada num tom malicioso "não cantado"; a segunda, os seus vocais tornam-se mais agressivos apelando assim ao protesto e ao impacto lírico, repetindo o efeito nas partes seguintes a seguir ao refrão; no refrão notamos a pureza da sua voz, onde esta já se encontra melódica; e por fim, na espécie de solo antes da última aparição do refrão, a voz está sobrecarregada de filtros dando um efeito muito "robótico" e irreconhecível. Relativamente à parte instrumental notamos que se trata de uma "babunça" electrónica em conjunto com uma viola que despromove um ritmo único (destruindo os padrões estandardizados da pop). Basicamente, trata-se de uma música de certa forma experimental a partir do momento que "brinca" com os vários meios a que tem possibilidade de recorrer, a fim de criar (ou de tentar criar) algo de novo num mundo que se encontra sobrecarregado de muita variedade musical, e agregado a isso está uma letra bem concebida e original. Para os mais tradicionalistas, esta faixa vale de pouco, para os mais vanguardistas esta é a "semente" para um novo subgénero. Seguimos com "Venus", um single promocional do álbum, é escrita e produzida por Gaga em conjunto, na parte da escrita, por Paul "DJ White Shadow" Blair, Hugo Leclercq, Dino Zisis, Nick Monson e Sun Ra, e com parceria, na produção, de Madeon e Monson. Esta é uma faixa mais convencional dentro do género EDM, transmitindo a seguinte mensagem lírica: "Let’s blast off to a new dimension/In your bedroom", ou seja, a lírica, bastante normal no mundo da música pop, é basicamente o desejo exótico/erótico que uma rapariga tem pelo seu amante (invocando a deusa do amor e os elementos do universo). Liricamente podemos considerar de que esta canção é influenciada pelo êxito nº1 da Hot100 de Katy Perry, "E.T.", pois em ambas falam da paixão utilizando metáforas cósmicas. Aqui, a voz de Gaga está fortemente sintetizada e agressiva, de um modo geral, dando a ideia de superioridade, havendo um destaque especial para a terceira parte lírica onde essa "acidez" e violência é bastante evidente, e para o refrão em que a mesma utiliza quatro hooks, prendendo assim o espetador. Na parte instrumental, predomina a eletrotécnica e os sintetizadores, como já nos vai sendo habitual. Dum modo geral, não é nada de novo ver este tipo de componentes (voz agressiva, background eletrónico, lírica erótica) numa música da Gaga, logo, fica-nos a ideia de vazio, sem ficarmos surpresos de algum modo. "G.U.Y." o terceiro single oficial de "ARTPOP", à semelhança da anterior, também é uma faixa EDM convencional, contando com Gaga e Zedd na escrita e na produção, mas vemos agora uma Lady Gaga mais "doce", com uma voz pura que percorre vários tons e criando também o contraste entre as estrofes "melodicamente" cantadas e as "friamente" faladas, tendo assim um refrão bem ativo, e um clímax bem conseguido (da terceira parte em diante). Mais uma vez, a parte instrumental é do mesmo género da faixa anterior, sendo a sonoridade desta mais agradável, contagiante e dinâmica, típica do trabalho assinado por Zedd. Embora os temas líricos explorados aqui sejam os mesmos de "Venus", esta música é muito mais apelativa que a anterior, sendo uma das melhores do álbum a seguir a "Aura". Depois vem "Sexxx Dreams", outra  música EDM, com influencias R&B, que nos conta fatídica história de uma rapariga que está sozinha e que seduz a sua melhor amiga a trair o namorado, sabendo que o mesmo está fora este fim de semana, pois ultimamente tem tido sonhos eróticos com ela, mas paralelamente, a primeira não se sente confortável em fazer isto, ficando assim com a consciência pesada e dividida entre fazer uma boa atitude ou fazer o que o seu desejo quer (que é uma atitude moralmente incorreta). Notemos também que esta canção escrita por Blair, William Grigahcine (também conhecido por DJ Snake, responsável pelo êxito "Turn Down For What"), Martin Bresso e Gaga assume duas personalidades do "eu" poético: a personalidade moralmente sensata e a personalidade pecaminosa. Para reforçar esta ideia, é perceptível dois tons de voz diferentes, um mais "malicioso" e consistente, e outro mais "arrasado" e volupiosamente vago. Esta faixa é produzida por Gaga, Blair, Monson e Zisis e tem um corpo instrumental lento com uma batida austera que contrasta com um refrão de forte sonoridade. Resumidamente, não é uma canção ambiciosa. "Jewels'N'Drugs", produzida por Blair, Gaga, Monson e Zisis, é o resisto mais hip-hop deste disco, contando com a colaboração vocal de T.I., Twista e Too Short. Este tema, escrito por Gaga, Blair, Monson, Zisis, Twista, Too Short, Clifford Harris Jr., relata a história de uma rapariga que tem duas paixões: o dinheiro e o amor, e junta o útil ao agradável quando tem relacionamentos com rapazes (que ela chama de golpes ["hustle"]), com o objetivo de ser rica para cobrir os seus caprichos e de ter satisfação sexual. Quanto à parte instrumental não restam dúvidas de que é muito criativa e dinâmica: começa com uma espécie de wildtrack de um auditório, como que se o ouvinte tivesse a ver o início de um concerto de música clássica (por exemplo) até que esse ambiente é quebrado pela batida que acompanha os versos de T.I.. Essa batida é pesada e rica sonoricamente, com um ritmo que inspira presença (e de certa forma introduz a música e o artista). Depois, quando chegam os versos cantados por Gaga, esta fica mais grave, mas o ritmo é o mesmo. Quebrado com a entrada de Too Short, onde a sonoridade que o acompanha é mais frenética. Com a chegada do refrão (cantado por Gaga), o ambiente muda para algo mais intenso e lento que o que vimos anteriormente. Mas a parte mais "maluca" é a do rapper Twista, onde o ritmo é de tal maneira acelerado que mal conseguimos apanhar. À semelhança da sonoridade está também a componente vocal que é igualmente dinâmica: para além de haver três partes "rap" (a velocidades diferentes, dependendo do artista), as partes cantadas são também elas diferentes (na primeira estrofe interpretada por Gaga está sobre um filtro que lhe dá uma voz "distorcida", seguindo para algo mais puro, e no refrão, é aonde ela consegue as melhores notas, acabando por se afirmar). Sem dúvida que é uma das faixas mais poderosas do disco, engatando o ouvinte através da sua dinâmica rítmica e sonora, que no seu geral criam estruturas ou ambientes bastante diferentes, e juntamente a isto vem uma lírica bem sombria que intensifica a atividade da canção. "Manicure", escrita e produzida por Blair, Gaga, Monson e Zisis, é a faixa mais Pop-Rock deste registo. Aqui, o sujeito poético deseja ser curada, pelos homens, como também curá-los ("I'm gon' be manicured" ou "Can you feel it, can you feel it, can you feel it/I'm addicted to the love that you garner (man cured)/Can you feel it, can you feel it, can you feel it/Like a serial killer, man is a goner"), tendo um desejo intenso e produzindo-se para seduzir os mesmos. Diga-se de passagem que na parte correspondente à lírica, o que é mais criativo é o facto de a palavra "manicure" ter sido separa em três outras palavras "man", "i" e "cure" (em português: homem eu curo), iludindo o ouvinte sobre o tema da canção. Como já é habitual no trabalho anterior de Gaga (mais precisamente no álbum "Born This Way"), a sua voz está agressiva e ácida, tendo uma postura interventiva e arrojada. Acompanhando isso vem um instrumental grave e pesado, mesmo assim não é o suficiente para nos surpreender. O segundo single oficial de "ARTPOP", "Do What U Want", produzido por Gaga e Blair, é a faixa mais R&B deste disco, que conta com a colaboração vocal de R. Kelly. A letra escrita por Gaga, Blair, R. Kelly, Martin Bresso e DJ Snake, fala de uma rapariga que se sente de certa forma dominada (por livre vontade) pelo seu parceiro, querendo que as "festas" com ele continuem, permitindo somente que controle o seu corpo. Aqui, a voz de Gaga está bastante sofisticada e forte, fortemente influenciada por Tina Turner e Christina Aguilera, mostrado a qualidade da sua garganta sem auxílios artificiais, enquanto que a de Kelly está mais suave e leve, criando assim um grande contraste entre ambas. O refrão é o ponto alto de Gaga, dando dinâmica e poder à canção. Também a parte instrumental é muito influenciada pelos anos 80, contendo uma batida forte, grave e sintetizada, que juntamente misturada com os vocais dos intérpretes constituem uma estrutura firme. Sem dúvida alguma de que esta faixa é uma das mais cativantes deste novo trabalho de Gaga.
      Depois vem "Artpop", escrita e produzida por Blair, Gaga, Monson e Zisis, que é bastante influenciada pelo estilo techno. Com uma letra bastante original (e com várias interpretações possíveis!), o "eu" lírico tenta mostrar a sua relação com a sua inspiração artística, tratando-a como se fosse um amante com quem tem relacionamentos. No fundo, chegamos à conclusão que esta música é uma das mais profundas deste disco, sugerindo o envolvimento pessoal (e íntimo?!) de Gaga. O refrão é uma das partes mais curiosas ("We could/We could belong together/ARTPOP"), pois dá a entender de que o sujeito e a sua arte não parecem juntos, ou seja, estão separados na sua totalidade, mas no entanto, lá se vão cruzando. Noutra estrofe, o sujeito poético refere de que ama mais a música que o brilho (possível tradução para "bling"), o que pode significar que gosta mais da arte musical que faz do que da fama que essa traz, trabalhando pela arte e não tendo a fama como objetivo principal (neste caso, por muito artista que Gaga possa ser, é-nos difícil acreditar de que ela não gosta da fama, até porque não corresponde com a imagem que a mesma apresenta). Com uma sonoridade e voz profunda, calma e agradável (mas na terceira parte da canção é notável de que a voz da cantora está distorcida e nota-se a utilização propositada de auto-tune) neste tema Gaga dá espaço para algumas reflexões (pouco comuns) que tornam esta balada um dos trabalhos mais interessantes deste álbum. A faixa seguinte é "Swine", escrita e produzida pelo mesmo grupo da música anterior, que é fortemente influenciada pelos géneros synthpop e dubstep. Nesta música, o sujeito poético caracteriza o seu amante como um porco que só quer dela sexo. Aliado a esta letra, vem um instrumental bastante frenético feito à base de sintetizadores e uma voz "de bicho" que nos proporcionam um ambiente muito suíno. "Donatella" foi estrita e produzida pela mesma parceria de "G.U.Y." e contamos a história fútil de uma rapariga bela e rica que consegue tudo o que quer. Com um instrumental algo semelhante ao tema anterior (mas com um ritmo ligeiramente mais lento) e uma voz pouco trabalhada, esta é uma faixa EDM que nada tem de especial. "Fashion" já é uma canção EDM mais agradável e clamorosa. Produzida por Tuinfort, Gaga, David Getta, Will.i.am, e escrita por Gaga, Will.I.Am., Guetta e Tuinfort e Blair fala de uma rapariga rica e bem vestida que vive a vida ao rubro da moda. Podemos de certa forma comparar esta música ao nº1 no Hot100 "Vogue" de Madonna, alegando de que "Fashion" é o "Vogue" de Gaga (mas numa versão bastante mais fraca!). Aqui, a voz e a sonoridade estão mais doce, dando um resultado mais leve e clean"Mary Jane Holland" não passa de um retrato de um alterego da artista que mostra o outro lado do seu pensamento. A ideia é interessante, mas é deveras pouco desenvolvida. Esta faixa EDM escrita e produzida por Gaga e Leclercq, tem uma sonoridade agradável, no entanto não tem nada de novo. A voz de Gaga tem alguns arranjos mas o que predomina é as notas altas que a cantora mostra conseguir atingir (no entanto já podemos ver isso e até melhor em "Bad Romance" ou em "Edge Of Glory"). Nada de novo por aqui. Depois vem "Dope" que saiu como single promocional e atingiu o nº8 no Hot100. Esta faixa é a mais Adult comtemporary do disco tendo sido escrita por Gaga, Blair, Monson e Zisis, e produzida por ela e Rick Robin. A música fala de uma rapariga que está a atravessar um período crítico da sua vida, onde a dependência por drogas e uma vida boémia levaram-na à desgraça, perdendo assim aquele que amava. Agregado a esta letra de mensagem forte vem um instrumental bem austero e sombrio onde o som do piano sobressai ao som dúbio dum sintetizador. Gaga puxa pela voz até aos limites (destingindo-se as notas altas dos "berros"), sem ter auxílio de aplicações artificiais, estando assim pura, e juntamente com o som do piano criam o protagonismo sonoro da faixa. Comparada com "Hair" da própria e "Stay" de Rihanna, esta faixa acaba por ser mais pesada e sombria que as mencionadas, tendo em geral uma sonoridade simplificada e um ritmo lento, sobressaindo-se na playlist do álbum. De seguida vem "Gypsy" que tem um estilo mais europop/folk recuperando assim o ambiente característico da era do álbum "Born This Way", tendo em geral uma estrutura semelhante a esse tempo. A letra foi escrita por Gaga, RedOne, Leclercq e Blair, esta fala de uma rapariga que pretende assentar a sua relação amorosa, pois tem receio de ficar sozinha. Em resposta a esse problema, ela deixa a família e amigos partindo assim à aventura, vivendo a vida, como uma cigana. Produzida por ela e Madeon, esta faixa contem uma sonoridade fresca e agradável que tende como objetivo elevar a boa disposição e juntamente a isso vêm uns vocais igualmente poderosos que fazem desta canção algo divertido. Por fim, "ARTPOP" é encerrado com a faixa que foi o primeiro single oficial. Estreou diretamente para o nº4 do Hot100, "Applause" foi escrita por Gaga, Blair, Zisis, Monson, Bresso, Mercier, Arias, e DJ Snake, e produzida por Blair, Zisis, Monson e Gaga. A faixa EDM, à semelhança de "Aura" e "Artpop", pode ser interpretada como algo pessoal, remetendo à própria artista o significado da mensagem principal. Aqui o sujeito lírico diz que não quer saber de críticas positivas ou negativas mas sim dos aplausos, da glorificação do público. Será que Gaga pensa assim? Será que Gaga faz música só para "alimentar" os fãs e de certo modo a cultura popart? Não me parece que as coisas sejam assim tão lineares, no entanto a componente lírica desta canção dá espaço ao ouvinte para refletir de várias formas. Aqui a voz de Gaga está muito trabalhada usando vários "filtros" que tornam-na mais ácida, mas no refrão temos, mais uma vez à semelhança de muitos dos seus temas, uma pujança vocal de forma melódica e doce. Ainda referente à voz, nota-se também que neste campo ela foi fortemente influenciada por David Bowie e Annie Lennox. Quanto à parte instrumental é de elogiar a dinâmica dos sintetizadores que contribuem para que esta música ativa e cativante, variando assim o ritmo entre o corpo da letra e o refrão. De certo modo, o disco acaba com um aplauso.
      Quem conhece a discografia de Gaga percebe que ela sempre tentou sair dos padrões estandardizados da pop a todos os níveis, incluindo musicalmente, e com este novo álbum, o ouvinte tem a certeza disso. "Fame" foi um álbum muito adolescente e básico, com músicas jovens feitas para cativar uma geração (até porque desde muito cedo se chegou à conclusão de que a melhor forma de lançar um artista dentro do mundo pop é fazer canções juvenis onde o tema lírico são as festas, os romances de verão, a escola ou o prazer sexual, e se repararmos, artistas como Madonna, Kylie Minogue, Christina Aguilera, Britney Spears, Jlo ou Iggy Azalea começaram com êxitos bastante light). "Fame Monster" foi o EP que serviu para relançar "Fame", e aí, ela mostrou saber fazer mais que "Just Dance", mas sim algo novo e fresco que marque uma geração. Geração essa que está muito saturada de estrelas pop, videosclips de diferentes "formas e feitios", daí Gaga ter-se apercebido de que tinha de arriscar mais e fazer algo tão original como os vestidos que usa, percebeu de que tinha de fazer a diferença à força (isso sim é o que determina a longevidade de um artista, que por vezes tem de arriscar o que pode custar caro para se poder sobressair da "banalidade" [por exemplo: Madonna e o seu polémico álbum Erotica] e quem prefere fazer o que não provoca os seus fãs para ter uma imagem "limpa" perde a atenção caindo na regularidade [por exemplo: Jlo e as suas intermináveis colaborações com Pitbull]). Foi com este objetivo em mente (o de fazer a diferença à força) que "Born This Way" nasceu daquela maneira! Foi um álbum duro, agressivo, íntimo, polémico e sobre tudo ambicioso! Aí Gaga provou fazer a diferença, embora de forma controversa em alguns aspetos (por exemplo a polémica "Express Yourself"/"Born This Way"), daí o público esperar por um regresso em grande. Mas Gaga não conseguiu esse impacto (pelas razões que vimos anteriormente), daí este disco estar-lhe a custar caro, como custou a muitos artistas que ousam arriscar para se reinventar. Mas o facto de "Artpop" não ser um sucesso comercial não quer dizer que seja um fiasco artístico, o que não é! Este LP, nº1 na Billboard200, é um tanto ou quanto experimental, tendo o objetivo de ser uma alternativa aos padrões da pop, acabando por redefini-los ("Primeiro estranha-se depois entranha-se" - Fernando Pessoa). Organizado de uma forma inteligente, o álbum começa com "Aura" que diz artpop no final, a meio da playlist existe uma faixa chamada "Artpop" e o mesmo é encerrado com "Applause" que também tem a palavra artpop no final da lírica, ou seja, início, meio e fim, tudo estudado com antecedência e de forma matemática. Nesta "história", os "episódios" mais bem sucedidos são: "Aura"; "G.U.Y."; "Jewels N'Drugs"; "Do What U Want"; "Artpop"; "Dope"; "Gypsy" e "Applause". Para além destas existem outras que não foram ambiciosas o suficiente para estarem entre as headlines, tais como: "Venus"; "Sexxx Dreams" ou "Swine", mas que no entanto não são lixo. O álbum está disponível em duas edições: a standard (com quinze faixas) e a deluxe (com um dvd do concerto da cantora no iTunes Festival). Feito para tolerantes, revoltados, descriminados, grupos sociais em minoria e sobretudo vanguardistas, "Artpop" no seu conjunto geral é um álbum à frente do seu tempo. Em suma, este disco foi a aposta futurista de Gaga que só vai ter frutos a longo prazo, só vai ter o seu valor com o passar do tempo, custando-lhe caro agora, mas saindo reforçada num próximo trabalho, igualmente criativo e reconectado com o público.


                    HR

Lady Gaga voltará a Portugal no próximo dia 10 de Novembro no MeoArena.





    

11/08/2014

Cinema IV

Voltando ao cinema, aqui deixo a minha reflexão (na perspetiva da semiótica) dum dos filmes que tive oportunidade de ver recentemente:  

Coisa Sugestiva
Um signo ruim...
por Henrique Real

            
      O filme de 2006 "Coisa Ruim" realizado por Tiago Guedes e Frederico Serra mantém a atenção do espetador através de signos, levando-o a interessar-se pela película desde o início até ao fim, sendo este aspeto como um dos principais que a caracteriza. Entende-se por signo aquilo que é uma transmissão ou construção mental, por via da qual um organismo influencia o comportamento ou estado de outro organismo, numa situação de comunicação. Em "Coisa Ruim", existem vários signos que levam o espetador a ter um diferente olhar sobre a história e que estimulam a atividade da mesma. Neste caso, cabe ao espetador perceber as "pistas" que lhe são deixadas para que o próprio possa ver para além do que é evidente, caso contrário, se o público não vê para lá do objetivo, nunca achará o filme minimamente atrativo do ponto de vista artístico ou cinematográfico nem numa perspetiva de puro entretenimento, pois os signos são a matéria teórica que dá profundidade aquilo que aparentemente não tem importância.
      Um excelente exemplo de um signo no filme é a cena em que Xavier Oliveira Monteiro (interpretado por Adriano Luz) está a descansar no bosque com os seus dois amigos/colegas naturais daquela aldeia recatada e rural. Esse momento proporciona várias conversas de cariz bizarro e sobrenatural que se passaram naquela região. A última história que é contada é sobre como se descobrem as bruxas ("mulheres que envergam no caminho da maldade sabe-se lá porquê"), e é contada a seguinte "profecia": no final de cada missa, é costume o padre finalizar fechando o livro sagrado, mas quando por algum motivo ele se esquece de o fechar, as ditas bruxas que estavam a assistir à missa não se levantam dos bancos da assistência ao contrário dos outros fiéis. No momento em que este episódio é contado, a "imagem" visual do filme muda de um plano no bosque onde entram as personagens referidas anteriormente para um plano de uma missa onde inicialmente a câmara foca o padre descendo até à bíblia aberta, pousada na mesa. Depois é-nos dado um plano geral em que se vê a conclusão da missa. Nesse plano, o padre e todas as outras pessoas deixam os seus lugares e retiram-se ficando só a personagem Helena Oliveira Monteiro, mulher de Xavier (interpretada por Manuela Couto) que continua exatamente no mesmo sítio sem se mover. Em paralelo, a "imagem" sonora continua a mesma do plano anterior (ou seja, ouve-se a dita história a ser contada).
      Na realidade, esta cena não é nada de especial na sua mais pura evidência, pois notamos que nem mete impacto imediato no espetador nem é um climax do próprio filme, ou seja, passa despercebida pela maioria dos espetadores desatentos, que esperam algo mais chocante ou espetacular para despertar a sua atenção.    
      Se dissecarmos a "coisa" notamos que o facto da "imagem" visual mudar mas "imagem" sonora permanecer significa já por si algo: a história que está a ser contada está a ser ao mesmo tempo ilustrada com um acontecimento da própria premissa do filme que acontece em paralelo com o convívio do plano anterior. Logo aqui o público é chamado à atenção de que aquela "profecia" é importante para o desenvolvimento e compreensão do enredo e que não passa de uma simples e casual conversa entre as personagens. A "profecia" significa que pelo menos uma das personagens do filme é uma bruxa, mas qual? A resposta também está nessa mesma cena. A personagem Helena correspondeu ao perfil da "profecia": assistiu à missa e, quando esta acabou, não se retirou do seu lugar ao contrário das pessoas que a rodeavam, pois a bíblia ficou aberta. Esta atitude sugere-nos  que ela é uma bruxa, mas, por enquanto, só o espetador é que sabe, nenhuma das outras personagens (nem mesmo a própria Helena) desconfia de tal "coisa ruim". Aqui, o signo corresponde à "influência"/relação que a bíblia aberta tem na personagem Helena, pois se o livro tivesse sido fechado, ela ter-se-ia levantado do seu lugar, mas como não é o caso, a mesma não se moveu. Estabelece-se aqui uma relação de dependência, ou seja, esta personagem age conforme o estado de algumas "coisas" que a rodeiam, neste caso, ela age conforme o estado da bíblia naquela circunstância e é este signo que sugere ao público da plateia de que ela é uma bruxa. 
      Isto só prova que o filme se desenvolve através de "pistas" bastante sugestivas e subtis que passam despercebidas ao espetador desatento e fazem as delícias do público interessado na profundidade de uma premissa aparentemente vulgar e objetiva. Uma vez adotado este método, o filme exige mais do espetador para uma melhor compreensão do mesmo, fazendo-o pensar e refletir sobre os conceitos ali presentes mostrando assim o quanto este filme é vasto e metafórico, superior ao que é básico e gratuito.



HR


          

06/08/2014

Música I

Aqui está o texto desta semana, desta vez sobre um dos artistas mais bem sucedidos do momento:


"GIRL"
Do backstage para as luzes da ribalta 
Por: Henrique Real

      Mesmo com a carreira dos The Neptunes/N.E.R.D. ainda ativa, Pharrell Williams em 2006 já tinha percebido que tinha talento, meios e possibilidades para conseguir escrever, produzir e cantar um álbum a solo. Embora com bastantes colaborações ao nível lírico e vocal, "In My Mind", foi a sua primeira grande investida numa carreira a solo deste artista norte-americano. Nesta situação, se antes já tinha conquistado notoriedade, depois desse disco ainda mais longe foi! Mas, ele conquistou de facto dois grandes papéis no mundo da música: o da produção e a escrita, ficando esquecido a parte vocal (tendo sido a mais precária), daí ele ter sido frequentemente recorrido por artistas como Madonna, Mariah Carey, Shakira, Gwen Stefani, para escrever e produzir as suas músicas, e de facto ele conseguiu-lhes refrescar a carreira. Com isso, a partir de 2006, ele foi ficando responsável pelo sucesso de muitos artistas pop atuando por detrás do espetáculo. Isso iria ser quebrado depois de ter participado na construção de dois grandes êxitos internacionais: "Blurred Lines" e "Get Lucky", que elevaram à fama Robin Thicke e renovaram a imagem dos Daft Punk. Depois destas duas grandes investidas, Pharrell percebeu que era agora a altura de voltar a apostar numa carreira a solo. E essa ideia ficou bem clara e definida depois de ver o sucesso que "Happy", música do filme "Gru - O Maldisposto 2" teve. Mas, Pharrell não quis regressar ao palco sem reinventar a sua imagem e a sua música. Aquela figura da "street" de "In My Mind" foi trocada para algo mais leve, charmoso e agradável, tendo como imagem de referência aquele chapéu da cavalaria canadiana, que lhe deu uma aparência mais original e de certa forma cómica. Musicalmente trocou o hip hop pelo Disco/funk, que de certa forma é uma manobra comercial, pois os singles "Blurred Lines" e "Get lucky" estavam orientados nessa medida. Dum modo geral, é neste contexto que nasce "Girl", um álbum inteiramente produzido por Williams que tem como objetivo reforçar a sua imagem a solo e mostrar o seu talento a vários níveis.
      A faixa de abertura é "Marilyn Monroe", que já é o segundo single oficial do álbum, foi escrita por Pharrell e Ann Marie Calhoun (sendo a única música do álbum que não é inteiramente escrita por ele). Esta é uma música do género funk/disco que nos conta a história de um rapaz que está apaixonado/seduzido por uma rapariga e que por muito que ele tente disfarçar o desejo de estar com ela, acaba por não o conseguir. Personalidades como Marilyn Monroe, Cleópatra e Joana D'Arc são invocadas como motivo de comparação com a rapariga com que o "eu" lírico está apaixonado, dizendo que a prefere em vez das mulheres mencionadas anteriormente. Basicamente, ele tenta ter controlo perante aquilo que sente para não fazer uma figura ridícula à custa disso, ao ponto de ser mal interpretado ou de não obter a credibilidade desejada, mas como todos os bons românticos, acaba por mostrar o que sente sobre essa rapariga que ele considera ser especial e diferente. A acompanhar o forte potencial desta letra temos um background musical bem trabalhado, com uma subtil mistura entre os ritmos disco e funk, cruzando com influências orquestrais clássicas, e temos uns vocais ligeiros e agradáveis (muito característicos do género disco). Tudo nesta primeira faixa está em perfeita harmonia: a letra, com a voz, com a sonoridade instrumental, fazendo assim desta obra uma canção agradável e inteligente, com uma certa classe e subtileza que não é muito usual nos dias de hoje. Uma das melhores deste LP. Como segunda faixa temos "Brand New", uma música mais uma vez orientada para a groove funk/disco contando com a colaboração vocal do incontornável Justin Timberlake, que retrata a ternura do profundo agradecimento que um rapaz tem pelo o que o seu amor lhe proporciona: vitalidade (fazendo-o "brand new"), mostrando o vazio quando existente antes da sua chegada e a jovialidade perante os bons momentos provenientes da sua companhia. Os vocais e a parte instrumental são bastante semelhantes aos da faixa anterior, proporcionando assim mais uma música agradável e relaxante. Depois vem "Hunter", uma música mais atrevida que transmite o desejo incessante do "eu" poético em passar a noite na companhia da sua namorada, mas esta por sua vez não está muito interessada nisso, dando espaço ao rapaz para desconfiar da fidelidade dela. Embora esta canção venha na orientação das outras anteriores, acaba também por ser mais relacionada com o "engate" direto, daí o ritmo ser mais consistente e grave em vez de leve e romântico como são as outras. A dada altura, os vocais são falados, e a maneira como isso foi feito e a relação que os mesmos têm com a sonoridade (e até a própria sonoridade em si), fizeram-me lembrar, o nº1 no hot100 dos Blondie, "Rapture", quando a vocalista (Debbie Harry) deixa de cantar melódicamente a letra (estendendo a sua voz em cada palavra de forma lenta) e começa a "rappa-la". Este trabalho faz de certa forma um contraste com os temas anteriores, embora o género e os vocais sejam idênticos. De seguida temos "Gush", também ela disco/funk, uma das faixas mais "sujas" do álbum, e a mais atrevida que a anterior. A letra desta é bem simples: um rapaz está fortemente excitado por uma rapariga desejando ter relações com ela (nada mais que isto!). A sonoridade e voz são semelhantes à das músicas anteriores, mas a lírica assemelha-se mais à fase inicial de Pharrell, fazendo um grande contraste com as restantes de "GIRL", tornando-a também uma das faixas menos ambiciosas aqui incluídas. O primeiro single deste álbum, o também nº1 por dez semanas no hot100, o também nomeado para um Óscar da academia, "Happy" (a música principal do filme "Gru - O Maldisposto 2") já é considerado um clássico! Esta canção neosoul/funk, influenciada pelo trabalho de Curtis Mayfield, muito bem sucedida incentiva-nos a ser optimistas e a ter auto-estima alta, em vez de nos deixarmos abater pelos problemas do quotidiano. À que admirar a qualidade desta letra, que quando comparado com os grandes sucessos contemporâneos, vemos uma maturidade e uma inteligência sem igual, refutando temas ou histórias fúteis (como por exemplo a da faixa anterior a esta!), utilizando comparações e metáforas bem conseguidas (como por exemplo: "(...) if you feel like a room without a roof" ou "Bring me down, my level's too high") que enriquecem a mensagem da musica: "if you feel like that’s what you wanna do"!. Na parte instrumental, é bastante percetível os ritmos relaxantes que descontraem e elevam a alma, bem característicos do soul, com uma menção especial para o coro que de certa forma dá corpo ao refrão. Aqui temos uma obra bastante original, que prova o quanto Pharrell Williams é um grande artista nos mais variados campos da música (produção, voz, escrita, etc.). O terceiro single de "GIRL", "Come Get It Bae", é que fica um bocado "ao lado" comparado com os outros que saíram anteriormente. Mais uma vez a letra (sem criatividade nem originalidade) relata os impulsos/desejos sexuais de um rapaz por uma rapariga. Esta faixa é funk, com uma batida forte e um ritmo ativo trazido pelas palmas e pelo baixo. Em suma, nada de novo é trazido por esta faixa, servindo somente para encher. "Gust Of Wind", é outra canção forte deste álbum. Puramente disco (e fortemente influenciada pela colaboração especial dos Daft Punk não creditada) esta é uma faixa relaxante, com uma sonoridade rica, tendo a mesma química que "Get Lucky" ou "Lose Yourself To Dance". Esta é a faixa mais "clássica" dentro do género, com um leve toque progressista (principalmente no refrão). No mesmo, os vocais (dos Daft Punk) estão sintetizados, enquanto que no resto da música os vocais de Pharrell permanecem suaves e delicados como nas maiorias das músicas deste disco. Aqui, o "eu" poético mostra o impacto da presença da sua amada, através de metáforas e comparações. Com esta faixa, o ambiente romântico é recuperado. "Lost Queen" é definitivamente a faixa mais criativa deste álbum. Inicialmente tem uma sonoridade mais exótica, que nos transporta para um ambiente mais acústico, depois, relativamente a meio da música, quando pensamos que esta acaba, começamos a ouvir o som do mar, das ondas e da maré, passando depois para uma batida mais eletrónica (igualmente relaxante como a primeira), onde os vocais estão sob um filtro que torna a voz do artista mais espacial e vaga (ao contrário da primeira parte onde a sua voz está normal). A lírica retrata a "servidão" e o fascínio do "eu" pela sua amada mística. Aqui, Pharrell Williams prova ser um verdadeiro artista, pois numa música inclui duas separadas por uma sonoridade ambiente, como que retirada de um filme, aliás, toda esta faixa parece ser retirada de uma banda sonora, pois é notória a necessidade de uma componente visual (ficando a sensação de que nos falta alguma coisa!). De seguida vem "Know Who You Are", uma canção que conta com a colaboração vocal de Alicia Keys (que se faz sobressair - como é natural!), mostra assim uma sonoridade calma e relaxante com uns toques de R&B. Com uma letra bastante interessante, esta faixa retrata o carinho de um rapaz pela sua companheira que teve um dia difícil. Nesta medida ele tenta relaxá-la, fazendo-a aproveitar um momento de paz. E finalizamos "GIRL" com a música "It Girl", que retrata o impacto da sedução feita pela amante no "eu" poético, deixando-o encantado (ou descontrolado?!). Não saindo do género dominante deste álbum, esta faixa agradável e viva, tendo uma sonoridade summer times, está longe de sobressair na playlist do álbum em geral.
      Em suma: trata-se de um registo discográfico agradável e relaxante, viajando pelo funk/disco, sendo fortemente influenciado pelos antepassados do género. Embora muito revivalista, não deixa de ser original e criativo, utilizando assim as várias tecnologias e meios que atualmente são bem sucedidas (Daft Punk, por exemplo) com o objetivo de renovar um estilo que se encontra ultrapassado e esquecido. Para a carreira musical do artista, este trabalho marca um novo capítulo, do qual deverá ser explorado, mas nem tudo foi deixado para trás! Ainda podemos constatar neste álbum, à semelhança do primeiro, letras muito atrevidas e sujas, que no fundo, não passam de reminiscências da sua origem (hip hop), que de certa forma, contrastam muito no panorama geral. Neste trabalho está a prova viva do talento de Pharrell nos vários campos musicais: ele escreve e produz todas as faixas, ele canta e trabalha a voz das mais variadas formas, e articula tudo isto harmoniosa e equilibradamente, soando "doce" ao ouvido. Dentro deste prisma, as faixas que melhor ilustram este trabalho ambicioso são: "Marilyn Monroe"; "Brand New"; "Happy"; "Gust Of Wind" e "Lost Queen". Mas ainda não estamos confrontados com um disco "cinco estrelas", no entanto, para lá caminhamos. Sem uma grande playlist organizada de uma forma especial, este registo disco/funk (nº2 na Billboard200) só tem uma edição: a standard (com uma faixa bónus no Japão - "Smile") e pode-se considerar que está dirigido a um grupo social em especial: aos jovens heterossexuais, que se consideram bons amantes e "aventureiros" (daí a capa ser sugestiva). Embora "Girl" não seja um álbum perfeito, conseguiu, no entanto, cumprir o seu objetivo principal: enriquecer a carreira a solo de Pharrell Williams, transportando-o do backstage para as luzes da ribalta. 
               


Pharrell Williams virá a Portugal no dia 3 de Outubro no MeoArena.

HR